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Jorge Mautner: poética e política do ser

“…Mas a noite é escura/e o caminho é tão longe/que me leva à loucura/andando e dançando/no fio da navalha/eu sou um faquir/um palhaço/e um grande canalha/teu olhar pontiagudo/me crava como punhal/quero saber de tudo, tudo tudo tudo /antes do carnaval…”

Outro dia deparei-me no Youtube com Estrela da Noite, de Jorge Mautner. Uma das mais belas criações desse compositor, cantor, poeta, filósofo  e, como ele mesmo diz, “profeta do Kaos”. Mautner já trabalhava, aqui, a canção longa, quase uma narrativa, que era praticada também por Jorge Ben, Caetano e Gil. Uma ruptura com a música ligeira, introduzindo a duração e, ao mesmo tempo, um caráter mais nômade, abrindo uma série de paisagens.

Caetano Veloso lembra que Maunter foi um precursor do Tropicalismo. O que não deve ser entendido em termos de uma identidade,  de uma semelhança, ou ainda de uma causalidade. Mautner foi precursor do movimento pela singularidade, diferença e intensidade de sua própria trajetória.    

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O graforisco: pixo, poesia do acaso e política pública

” (…) na transversal da cidade PALAVRAS-OBJETOS-COISAS que são também as EMOÇÕES OBJETOS/ABJETAS estampadas nos muros, casas, muretas. para quem quiser e/ou mesmo não quiser ver. (…) sair na calada da noite – PIXAR-PIXANDO – como se a rebelião estivesse no fato de buscarmos um outro sentido das palavras.” Cristina Fonseca, in A Poesia do Acaso – na transversal da cidade.

A escritora, poeta e videoartista, Cristina Fonseca, publicou A Poesia do Acaso em 1981. De lá para cá, o livro conserva o momento e o contexto de sua criação e, ao mesmo tempo, permanece atual, principalmente nessa discussão sobre o estatuto do pixo nas grandes cidades.

Uma discussão urgente, tendo em vista que, em Belo Horizonte, as autoridades municipais decidiram que os jovens pixadores devem ser enquadrados não mais na lei de “crime ambiental”, mais branda, mas como “formação de quadrilha”. Como denunciamos num artigo anterior (Pixo: criminalização ou política pública?), os jovens aguardam julgamento por tempo indeterminado, misturados com criminosos de toda espécie.  

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Pixo: política pública ou criminalização?


“But what can a poor boy do/Except sing in a rock´n´roll band/Guess in sleepy London town there´s just no place for a street fighting man” – Rolling Stones

Por iniciativa do governo municipal de Belo Horizonte, e numa ação combinada com o governo Estadual, foi criada uma delegacia especial para lidar com a questão da pixação. Os chamados “delitos” passam a ser enquadrados no  Artigo 288 do código penal brasileiro: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)”.

Enquanto em diversas esferas discute-se a questão expressiva e social da pixação, principalmente a partir da Bienal de São Paulo, em Belo Horizonte optou-se por criminalizar a juventude. A mão do Estado desce pesada sobre pessoas que, na sua maioria, jovens oriundos da periferia, encontram na pixação uma saída para o sufoco existencial e político.

É o que ocorreu, recentemente, com a prisão dos Piores de Belô – um coletivo de pixadores. Os jovens encontram-se presos em penitenciária, por tempo indeterminado, enquanto aguardam julgamento.

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Dentro do ônibus: é tudo música

Entrei num ônibus diametral, desses que atravessam Belo Horizonte de ponto a ponto. Era cedinho e me deparei com um homem e sua viola num dos primeiros bancos. Do outro lado do corredor, um homem com um vozeirão impressionante, porém muito musical, falava com o motorista.

Antes que eu passasse na roleta, o ônibus faz uma parada no sinal vermelho. E o que acontece? O violeiro, uma pessoa indescritível, começa a tocar alguma coisa. Ao mesmo tempo, o homem sinaliza ao motorista, com malícia, sobre o outro motorista de um ônibus que acaba de chegar, bem perto. Eles começam a rir do colega e o homem grita pela janela, naquela sua sonoridade bruta e musical: 

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Kazuo Ohno: uma homenagem

"Dancing in Kushiro Marsh" IV (1994), by Eikoh Hosoe.

Kazuo Ohno encantou-se no dia 01.06.2010.  Tive a oportunidade de assistir a uma performance de Ohno em 1992, em Belo Horizonte. Eu não possuía qualquer informação prévia sobre o  butô.  Com um longo vestido que se arrastava pelo chão, um giro de Ohno no espaço demorava um tempo enorme. E esse movimento quase parado abria paisagens, janelas e visões a cada momento. Impressionante: a extensão é intensiva. Um corpo que esculpe o tempo e produz uma duração.

Tomo a liberdade de traçar, a partir das imagens de Ohno, linhas a-paralelas. Ou seja, sem encontrar correspondências biunívocas. Busco, para tanto, algumas idéias do filósofo José Gil (2). Ele fala de atmosferas, nuvens corporais, pequenas percepções: