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Pixo: política pública ou criminalização?


“But what can a poor boy do/Except sing in a rock´n´roll band/Guess in sleepy London town there´s just no place for a street fighting man” – Rolling Stones

Por iniciativa do governo municipal de Belo Horizonte, e numa ação combinada com o governo Estadual, foi criada uma delegacia especial para lidar com a questão da pixação. Os chamados “delitos” passam a ser enquadrados no  Artigo 288 do código penal brasileiro: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)”.

Enquanto em diversas esferas discute-se a questão expressiva e social da pixação, principalmente a partir da Bienal de São Paulo, em Belo Horizonte optou-se por criminalizar a juventude. A mão do Estado desce pesada sobre pessoas que, na sua maioria, jovens oriundos da periferia, encontram na pixação uma saída para o sufoco existencial e político.

É o que ocorreu, recentemente, com a prisão dos Piores de Belô – um coletivo de pixadores. Os jovens encontram-se presos em penitenciária, por tempo indeterminado, enquanto aguardam julgamento.

A pixação é tanto um sintoma quanto uma linha de expressão, mesmo que seja um ato ilícito.  Não se pode tomar o pixo como um problema de “limpeza urbana” unicamente. É necessário vê-lo de modo integrado, numa rede complexa de sentido e de usos, de apropriação simbólica e resposta ao mundo em que vivemos. Perguntamos, então, por uma política pública que possa lidar, sem o recurso à criminalização, com esse contingente de jovens que encontram na pixação um meio de afirmação, de desenho territorial e, porque não, de lirismo.

Enquadrar os jovens pixadores, maiores de 18 anos, no Artigo 288, como meio de proteção do patrimônio edificado, é uma ação perversa. As autoridades municipais argumentam que combinam repressão, educação e proteção ao patrimônio. Ora, é justamente essa combinação que cabe denunciar. Em primeiro lugar, porque ao colocar os jovens em celas, enquanto aguardam julgamento, convivendo com bandidos e criminosos, promove-se mais violência. E porque a criminalização do pixo é, na verdade, de mão dupla: enquanto opera a coerção, supondo assim inibir novos delitos, coloca os jovens em contato com a criminalidade mais violenta.

Ao taxar a solidariedade nesses atos expressivos, mesmo que sejam ilícitos, como “formação de quadrilha”, lança-se mão de uma das armas mais pesadas que o Estado confere a um governante. Até que o judiciário decida que a penalidade não é cabível, o estrago já foi feito.

Em todos os casos, é não querer ver a complexidade social da vida urbana, é não querer entender os mecanismos de auto-realização, de necessidade ritual e simbólica. Octávio Paz observa que, diferente das sociedades arcaicas, o mundo moderno não oferece aos nossos jovens rituais de passagem. Eles têm de reinventar tais mecanismos, à deriva de uma vida brutalizada a cada hora, entre os extremos do consumo e da pobreza, convivendo o tempo todo com a ausência de sentido.

São linhas de fuga e territórios nômades, marcas seriais a cobrirem a extensão de nossa paisagem urbana, quase sempre já deteriorada, não por esses traços, mas pela sujeira, miséria, marginalização, impessoalidade das vias urbanas e seus vazios. O que os pixadores fazem é deixar os rastros de suas linhas de fuga  pela cidade. Compõem uma alteridade cujas marcas, incômodas  pra alguns, estão lá, nos muros e paredes das cidades.

O pixo não pode ser interpretado de modo simplório como um ato de vandalismo. Os pixadores não estão quebrando ou destruindo equipamentos urbanos. No entanto, grande parte da mídia impressa tem aderido ao senso comum de que se trata de uma ação provocada por “vândalos”. E desse conservadorismo bem alojado, conclamam as autoridades a reagir contra os pixadores, de certo modo legitimando a criminalização da juventude.

Ao contrário do que se tornou o grafite, hoje uma arte do consenso, o pixo apresenta-se como uma forma de dissenso, para pensar com Jacques Ranciére. Alguns pixadores queixam-se do modo como os grafiteiros passam a ser incorporados numa realidade que deveria, antes de tudo, ser denunciada como inaceitável. De fato, parte do grafite passou a ser instrumentalizado por governos. Certa vez vi dois garotos grafitando a parede de um lugar, na qual se dava uma ocupação irregular, e que mostrava dizeres contra a autoridade do governo estadual, por tentarem desalojá-los.

Ao criminalizar o pixo, ao permitir que jovens passem meses, antes do julgamento, em celas ao lado de bandidos perigosos, as autoridades municipais estão dando um destino cruel e desumano aos jovens a quem deveria dar outro tratamento. Estão assinalando uma cultura política: atendem aos cuidados com as fachadas públicas, deixando no esquecimento os modos de ser e viver que não compõem o consenso. Deveria servir de alerta o sofrimento passado por Caroline Pivetta, que ficou mais de três meses presa e em condições desumanas,  por ter participado da pixação da 28a Bienal de São Paulo, motivando o protesto por parte de intelectuais e artistas, incluindo o ministro Paulo Vannuchi, da secretaria especial de Direitos Humanos.

A criminalização do pixo expõe a fragilidade das políticas públicas. E além disso, como no caso da proibição de atividades culturais na Praça da Estação, demonstra ausência de imaginação política!

Os versos dos Rolling Stones, que abrem o artigo, são emblemáticos para explicar a razão de terem optado pelo rock como meio de expressão. Algo similar pode ser visto em relação ao pixo: o que mais poderia fazer um rapaz pobre nas nossas grandes cidades, senão aderir a esses riscos, nos dois sentidos da palavra?

Mais referências –

Manifesto: liberdade aos Piores de Belô – por Conjunto Vazio

Somos todos Piores de Belô – por Praça Livre BH

Pixação: questões sobre arte, mercado e práxis – por Conjunto Vazio

Galeria de Djan Cripta

Polícia prende pichadores por formação de quadrilha – Matéria publicada na Folha Online

A polícia está mais severa com pichadores de BH – Matéria publicada no Portal Uai

Política e estética do dissenso: o caso da pichação na Bienal de São Paulo – por Olho-de-Corvo

Caso Caroline Pivetta na 28a Bienal de São Paulo – por Canal Contemporâneo

Ministro da Cultura pede a Serra libertação da pichadora da Bienal – por Folha de São Paulo

Bienais de Arte de São Paulo: Salve Basquiat – por Gisele Miranda

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

12 respostas em “Pixo: política pública ou criminalização?”

o ser humano começou a usar “pixos” comoforma de expressão e arte desde o tempo das carvernas. Tobamos com patrimônio cultural as pixações de 20 mil anos e descriminalizamos essa tão forte,rebelde,expressiva, democrática e anarquista forma de arte.

José Sales Neto,

Para você ver…

Mas parece-me que o pixo, por ser da ordem o dissenso e incidir sobre patrimônios edificados, propriedades, necessidade de extirpar o “sujo” das cidades, gera uma reação autoritária, repressiva, quando não de pura violência.
Abraços

Caro Luiz, você já pensou que uma manifestação que existe emTODOS os paises,em várias classes sociais, entre homens e mulheres pode ter várias faces e não existe por acaso? está certo, um edificio pode modificar a paissagem pública, “apagar” o céu em concreto cinza, podem boloquear com muros espaços que já foram livres e você já pensou que pode achar normal porque faz parte da cultura imposta da propriedade. os pixos em certas categorias, porque há várias, tb é uma forma de protesto (ao meu ver legítima) por fazer repensar o “belo” e o “publico x privado”

http://www.youtube.com/watch?v=nzC5gtYAn6s&feature=related

Felicito pelo ato político-cultural. O Estado que não sente, é um vazio a ser tocado. Nada fácil, mas estamos criando nossas fugas para o enfrentameto.
Mais uma vez a arte está dando sua face a tapa, para intervir no Estado e no seu “entorno” apoiado pela liberdade de expressão adormecida da mídia. É fato que o regime democrático se consolida. Mas, também é fato que a herança cultural do período ditatorial ainda sobrevive sob vários aspectos.”
abraços
Gisèle

E nesta Bienal 2010 estão querendo tirar os urubus que o Nuno Ramos colocou lá na intervenção dele “Bandeira Branca”.

Com certeza, meu apoio ao PIORES DE BELO pois eu tb sou!

Sim, está virando um slogam os “Piores de Belô”.

Esperamos, contudo, que o processo de criminalização da juventude seja revertido.

Abraços

Agradeço sua visita.

O difícil, ainda, é entender o picho (ou pixo, para os que o praticam), como manifestação sociocultural. A questão de ser arte ou não é de menor importância. O que importa é ver que parte de uma juventude está sendo criminalizada da forma mais injusta.

Abraços

…pixacao é um tapa na cara da sociedade,pra ver o que é mais sujo, nos ou seus politicos que vcs não jogam pedra,os pixadores pra vcs sao o lixo da cidade, querem makiar a cidade pra esconder a vergonha que é a saúde,a educação,a falta de cultura de milhões,a corrupção,os crimes. pergunta pra qualquer gringo o que ele acha feio no Brasil que ele vai responder, pixacao nunca vai passar em sua cabeça seus sem cultura!!! VIVA O PIXO e fim de papo!!!

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