“Para meus versos, escritos num repente,
Quando eu nem sabia que era poeta,
Jorrando como pingos de nascente,
Como cintilas de um foguete,
Irrompendo como pequenos diabos,
No santuário, onde há sono e incenso,
Para meus versos de mocidade e morte,
- Versos que ler ninguém pensa! –
Jogados em sebos poeirentos
(Onde ninguém os pega ou pegará)
Para meus versos, como os vinhos raros,
Chegará o seu tempo.”
Maio de 1913
Traduçãp de Aurora Fornoni Bernadini
De uma vez, numa rede social, surgiam postagens discutindo o legado de Joseph Stálin. Coisa sem o menor interesse. Entretanto, solicitei que as pessoas defensoras de Stálin não me seguissem. Esqueci, porém, de dizer o motivo maior: é que eu sigo poetas e demais artistas que ele perseguiu e matou.
Não queria nem mesmo discutir ideologia, posicionamentos, contrapesos etc. Para mim, basta o que dizia Godard: matar um homem para defender uma ideia não é defender uma ideia – é matar um homem.
E para lembrar de algumas pessoas perseguidas e/ou assassinadas pelo stalinismo: o poeta Osip Mandelstam, o encenador Meyrhold e sua esposa, para dizer somente desses três.
A poeta Marina Tsvetáieva (1892-1941) está nessa lista. Hoje – e sempre nos dias vindos – eu lhe faço essa homenagem. Ela que, segundo Décio Pgnatari, escreveu o “mais espantoso poema de amor”, o Poema do Fim (1).
Essa mulher, estrela primeira de um céu, foi uma vida de exílios, tentativas de voltar e de se reestabelecer. Sempre com dificuldades de sobreviver por lhe negarem trabalho. E ainda teve a execução de seu marido pelos stalinistas, vendo uma das filhas morrer de fome num orfanato porque não conseguia mantê-la, até o ato final, o suicídio.
São escritos de pura luminosidade cortante, por vezes as veias. A lucidez, a beleza e a dor de uma escuta de si e do mundo no embate com a linguagem, em cada verso, em cada palavra escrita.
Um dos livros ao qual sempre retorno é O Poeta e o Tempo (tradução de Aurora Fornoni Bernardini. Belo Horizonte: Editora Âyin). São ensaios que nos trazem para um pensamento elaborado numa sensibilidade extrema.
“Dou ouvidos a algo que soa dentro de mim de maneira constante, mas não regulas, dando-me ora indicações, ora ordens. Quando indica, discuto, quando ordena, obedeço” –
Quanto ao livro em tela, Indícios Flutuantes, temos uma seleção de poemas, também traduzidos por Aurora Fornoni Bernadini. Tem ficado sempre em cima de uma mesa, de modo que vem em quando uma página é aberta, ao acaso – como alguns outros livros também.
E então, leio:
“O sol é um só. Por toda parte caminha.
Nem por um raio. Nem por um olhar. Nem por um instante.
A ninguém. Nunca.
Que morram as cidades numa noite constante!
Nos braços vou apertar, que não possa girar!
Faço as mãos, os lábios, o coração queimar!
Se desaparece na noite infinita, no encalço hei de correr...
Meu sol! A ninguém o darei!"
Fevereiro de 1919
Tradução de Aurora Fornoni Bernadini
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Notas:
1.Citado do site Templo Cultural Delfos