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Geral Sobrevivência: estratégias

Gestos e jeitos de corpo

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Vou lhe contar uma história. Sobre o que chamo de gesto e jeito de corpo.

Foi num dia em que eu estava muito triste e preocupado. Um pardal depenado, se ajeitando no fio quase desencapado de uma pauta de monotonia. Pois que me faltavam horizontes. Não sabia como iria sobreviver.

A rua quase deserta de uma tarde de sábado, de um bairro distante dos que eu costumava passar e morar. O ônibus demorava muito. E eu ali, sozinho e acabrunhado. Foi então que apareceu um jovem. E que de mim se aproximou com cautela. Parecia que ele tentava decifrar um enigma.

– Cara, eu te conheço!

– Me conhece? De onde?

– Eu trabalhava como carregador de caixas num supermercado. Você era meu herói.

– Como assim?

– Você entrava no supermercado meio correndo, meio dançando, sempre alegre, sem camisa, peito nu… Com uma calça vermelha, cabelos enormes. E sumia logo, para voltar do mesmo jeito outro dia.

– Ah…

– Eu te admirava muito. Aquilo era muito diferente de tudo. Eu queria ser assim, como você.

– (…)

– Mas você mudou. Nem te reconheci. Você não é mais aquele cara…

– (…)

Olhei para mim. Ou tentei olhar. Minha camisa polo desgastada, meus cabelos cortados… Era isso? Não, não era só isso. Meu corpo estava cansado, apesar de ainda um pouco jovem. Cansado de não ver mais o adiante. Pois que o perto era aperto e nó na garganta. Não era só uma questão de plumagens. Era muito mais de armas que me faltavam. Falo das minhas artes: do gesto e do jeito de corpo.

O ônibus veio. Despedi do rapaz. E quando ia subindo ele gritou de lá:

– Já sei! Você não mudou não! Você está camuflado!

Sacudi de leve a fuligem das minhas tristezas. O ônibus me embalava e eu não tinha ideia do que me seria.

Outros gestos e outros jeitos de corpo viriam, horizontes reinventados. É necessário saquear alegrias, tomando-as em meio aos escombros e aos ossos do dia a dia.

 

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A criminalização da cultura das ruas

Imagem: Rafael Lage

 

“Queremos devolver o poder às pessoas como coletividade. Queremos
resgatar as ruas.”
– RTS de Toronto

Naomi Klein, no livro intitulado Sem Logo – a tirania das marcas em um planeta vendido (Record, 2002), e do qual foi retirada a citação acima, reserva um capítulo sobre o “Resgate às Ruas”. Na linha de tiro de denúncia e exposição da vida que se faz mercadoria no capitalismo globalizado, a autora aborda as modalidades de uma “ecologia radical na selva urbana”. Os mobilizadores têm, segundo a autora, uma grande admiração pelos Situacionistas e desenvolvem diversas estratégias para a criação de um “espaço não comercializado na cidade”. Instaura-se uma vida compartilhada, uma ação que difere totalmente dos antigos protestos políticos.

Em Belo Horizonte, o movimento “Praia da Estação”, que surgiu em contraofensiva a um decreto municipal proibindo a realização de eventos culturais na Praça da Estação, é um exemplo típico, entre outros, de ações que procuram resgatar o espaço público. Uma ocupação carnavalizada e irônica, sem comandos centrais, criou um novo modo de resistência. Tornou-se um símbolo que une cultura, performatividade e ativismo. 

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Do CrazyHorse 18 ao exercício micropolítico

Imagem vista do CrazyHorse 18, antes de executar jornalistas da Reuters

Um helicóptero Apache dos EUA, intitulado CrazyHorse 18 (Cavalo Doido 18) ataca um comboio de insurgentes no Iraque. Dois homens conseguem sobreviver, correm e se rendem, largando as armas. O helicóptero mantém os homens sob mira, e os tripulantes ligam para a base e pedem orientações. O rádio dá o retorno: “Nosso advogado diz que eles não podem se render para uma aeronave. Ainda são alvos válidos’’. Então, os tripulantes disparam aquela metralhadora que perfura até blindados.

Esta notícia, retirada do FolhaPress (23.10.2010), é parte de um dos inúmeros relatos dos documentos da Guerra do Iraque, revelados pelo site Wikiliaks.org. A denúncia é importante e está colocando o Império em cheque: uma guerra estúpida, levada a cabo pelo presidente Bush e seu comparsa Tony Blair. Porém, quero chamar a atenção para outro aspecto: a forma-função do Estado e sua lógica totalizante e implacável. CrazyHorse18 esteve, antes, envolvido na morte de dois jornalistas nessa guerra, entre outros ataques fatais a civis (veja o link para o vídeo, mostrando o helicóptero abrindo fogo sobre os civis, em Mais Referências).

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Um ativismo performático e teorético

Teoria é teoria e prática é prática. Correto? Nada disso, estas duas categorias já não se distinguem mais assim. No projeto Les Laboratoires D’Aubervilliers (França) pelo menos, esses dois planos se atravessam.  Les Laboratoires é uma residência artística voltada para a pesquisa e a experimentação, numa perspectiva que conecta corporalidade, cena contemporânea, pensamento crítico e criativo,  performance e dança.

Les Laboratoires desenvolvem projetos de pesquisa em residência, na França, nos arredores de Paris, numa localidade intitulada D’Aubervilliers. Um dos projetos acolhidos pelos Laboratoires é de um grupo de pesquisa teórica e artística, de Belgrado, que  realiza ações no campo da ” performance contemporãnea, através da produção de textos, autogestão, educação crítica e engajamento através da prática cultural” . O grupo intitula-se (na vesão em inglês): Walking Theory. E o projeto desenvolvido tem por nome How to do things by theory – a platform for performing theoretical activism – 2010/2012. Há uma clara alusão à obra do filósofo analítico Austim, How to do things with words, um dos textos fundamentais sobre a questão das relações entre linguagem e performatividade.

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Como ficam as micropolíticas: resistir é capitular?

Slavoj Zizek diz que sim. Num artigo da revista impressa Piauí, número 16, Zizek discute a questão: “o capitalismo deve ser combatido por meio de reivindicações impossíveis ou se deve almejar a conquista do poder do Estado?” O título já contém a resposta: Resistir é capitular.

Zizek, depois de considerar que o capitalismo triunfa no planeta e conquista mentes e corações, alinha as alternativas de esquerda: