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Iluminações avulsas Poesia

A sede das areias quentes

Os braços são esponjas.
O coração.
A veia torta.
A nau enfim descoberta,
Nos olhos se faz sinistra presença.
Que tempo e nó serão esses?
A porta estava aberta e o sofrimento entrou.
Injeção letal
Pendurando na parede seu vestido
Líquido vítreo.
Quem escreve a sentença?
Eu?
Você?
As sombras ou as sobras?
As cotidianas migalhas de sonhos esmagados?
Aves que migram,
Cascos e borrascas,
Anjos e tintas magras,
Escrevam um bilhete para quem amo.
Digam que o amor sobrevive a tudo.
A quase tudo.
Não demorem,
Por um segundo se perde o segundo.
Num voo ralando suas plumas num chão de corte,
Na mão da sorte,
A estrela,
No começo da estrada, 
Está partida
E me pede que a guie.
Visões são sentimentos pagando pensão ao destino.
Vá, escreva logo este bilhete!
Não deixe que demore.
Os ventos ligeiros levarão esta mensagem
Ruflando através da noite.
Mas podem as palavras alguma coisa?
Marília e Dirceu?
Miragens são grades que dão para um mar seco.
Como pode a palavra ser língua
Enquanto míngua o amor nas trincheiras
Do dia a dia?


		
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A última vez

Imagem: do filme A última sessão de cinema (1971), de Peter Bogdanovich

Refugiado no instante

dou de cara com um antigo sonho  rasurado,

colado no ponto de ônibus.

Inventaram meus olhos,

(mais uma vez)

a palavra

Saudade.

Esquecida de si,

que alguém achou de encontrar

mas não conseguiu ler.

Pois de um papel gasto e um pouco rasgado,

sobrevive enquanto se apaga seu testemunho inacabado.

Com o desenho dos percursos

a perguntarem por qual modo de descaminho

a poesia escreve e canta um destino,

quando o vento nas calçadas 

já não varre mais

(como no cinema)

folhas

soltas

de jornal .