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Festival de Performance de Belo Horizonte

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Performer Joseph Beuys (1921-1986): o que interessa não é o narcisismo, mas a ferida narcísica

Começa hoje e vai até o dia 21.08, o Festival de Performance de BH. A cidade nem acabou de assimilar a Mip2, e já temos o bloco de Denise Pedron, Ricardo Garcia e Cia instaurando espaços e tempos. E tome encontros, oficinas, além das próprias performances!

Uma cultura performática vai se disseminando, desse modo, pela cidade. Um novo projeto focalizando a performance art é mais uma janela aberta. Mais oportunidades de participação e mais enfoques sobre o tema. Belo Horizonte, afinal, já tem mais de 3 milhões de habitantes e muitas urbes em variações sem fim.

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Manifestação Internacional de Performance: Mip 2009

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A Manifestação Internacional de Performance/Mip 2009, está ocupando  espaços e tempos de Belo Horizonte, com apresentações no período de 03 a 09 de agosto de 2009.

A presença da performance como linguagem tem conquistado públicos e artistas.  A Mip é uma mostra desse desejo e é realizada pelo Ceia – Centro de Experimentação de Arte e Informação, com idealização e coordenação de Marco Paulo Rolla e Marcos Hill. Aliás, devo a Marcos Hill a minha iniciação no campo da performance art, desde sua conferência no Centro de Cultura Belo Horizonte, no Seminário sobre Performance, que teve curadoria de Ricardo Aleixo e contou, entre as presenças, com o nosso saudoso Renato Cohen.  Depois disso Hill ministrou uma oficina para uma montagem minha no Curso de Artes Cênicas/ Escola de Belas Artes/UFMG.  Marco Paulo Rolla é um dos pioneiros da performance em Belo Horizonte, sem falar nas suas instalações e trabalhos surpreendentes.

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Uma carta de Fabrícia: Les Laboratoires D’Aubervilliers


Fabrícia Martins
estuda no curso “arts du spectacle chorégraphique” Paris. Tem se voltado para as pesquisas em performance, principalmente composição cênica em tempo real. Enviou-me um material maravilhoso, incluindo o Journal des laboratoires, produzidos por um coletivo de estudos em performance, do qual faz parte, intitulado Laboratoires d’Aubervilliers.

São pesquisas transdisciplinares, nas quais se entrelaçam linhas conceituais e sensíveis. Vou ler e tentar trazer, para o blog, alguma coisas dos materiais. Há textos maravilhosos, atravessando questões do nosso tempo e sobre os Laboratoires D’Abervervilliers. Ela me fala de uma improvisação realizada pelo coletivo por duas semanas numa galeria: “as improvisações eram abertas a quem quisesse, bastava se inteirar das regras.”

Tive a oportunidade de conviver num processo criativo de treinamento com Fabrícia, em 2002, na Escola de Artes Cênicas/Escola de Belas Artes-UFMG. Fabrícia fazia parte do grupo de Dudude Hermmann, a Cia Bem-Vinda. Sua experiência e seus interesses em dança já ultrapassavam as fronteiras dessa arte, voltando-se para a performance art. Lembro-me de uma discussão, em que as pessoas falavam muito da necessidade de repetir uma ação – de gravá-la etc. Fabrícia, então, questionou: “Não entendo porque as pessoas de teatro têm tanto necessidade de treinar a repetição, pois não existe um ação que seja igual à outra… O que temos é somente mudança…” Ela já estava utilizando um procedimento que mais tarde eu iria começar a adotar, principalmente a partir das leituras de Renato Cohen e John Cage: a ação em tempo real e a indeterminação.

Além disso, fizemos um exercício por algumas horas com bastão. É muito simples e consiste em utilizar o objeto como um diálogo tônico, retirando-o depois e deixando apenas a dança pessoal. Foi ótimo, para mim, compartilhar do pensamento-corpo de Fabrícia, nem que fosse por um momento só. Depois ela foi fazer o mestrado em Paris. Ultimamente, tem pesquisado e estudado o campo da performance, dedicando-se ao processo da composição em tempo real, um procedimento desenvolvido pelo coreógrafo e performer João Fiadeiro.

O blog de Fabrícia é pura poesia. Chamei de fábrica d(e)os sentidos. Há um texto do dia 15 de setembro (as postagens quase nunca trazem título, o que é muito interessante) que é uma jóia. Há um toque existencial e irônico: “virei rinoceronte” e “urubus famintos se aproveitaram da vaga que deixei”… Às vezes, o cotidiano aparece, nu e cru: “vomitei duas noites e dois dias e descansei no domingo”. Mas não há nada de vida particular, de vidinha mesmo ou de qualquer coisa do tipo “olha pra mim”. Ao contrário, a pura expressão.

Mais referências
Les Laboratoires d’Aubervilliers – performance by Antonia Baehr
French Research – Les Laboratoires…

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Irrepresentável: a performance de Macarena Campbell e Pedro Bastos

Imagem: Pedro Bastos

500 palavras numa bolinha de ping-pong: a performance de Macarena (Zikzira) e Pedro Bastos (Cia Hibridus) no Espaço Ação da Cia Zikzira, dentro do Projeto Solilóquio.

A primeira parte é um solo de Macarena. Ela começa pisando num pequeno círculo feito de papeizinhos coloridos. A partir disso anda em direção a uma vidraça (fundo da cena e da sala do Espaço Ação) e, de costas para a platéia, executa alguns movimentos com um doss braço. Já de início estamos colocados no jogo: a solidão. E digo com Deleuze: solidão povoada.

Macarena vai nos conduzindo por uma série de paisagens produzidas através de impulsos corporais. Vemos aqui todo o estilo do Zikzira Teatro Fisico: as ações físicas de Grotowski num plano no qual coincidem o corpo imanente e o corpo manifesto.

Fernada Lippi que, juntamente com André Semenza, trabalhou como orientadora dos performadores (nas sua palavras), tem traduzido para si mesma e para aqueles com quem compartilha sua maestria artesanal, os conhecimentos sobre o caminho das pulsações corporais.

Aliás, a performance de Macarena não tem nada a ver com dança e menos ainda com teatro: não há caracterização, não há drama em desenvolvimento, não há conflito.No caso, temos um teatro físico – mas um teatro singular. Não tem modelos.

Fernanda Lippi diz que o projeto Solilóquio abre para o público as ações físicas, inspiradas na Arte como Veículo de Grotowski. Ações intimas, quer dizer, que nascem do jogo do performer com suas lembranças. Poderíamos dizer, inspirados em Bergson: matéria e memória. No caso das physical actions, Lippi refere-se mais ao estado de descoberta, de auto-devassa, que não teriam por destinatário um público, uma audiência. Solilóquio vai inverter isso: coloca o performer com todo esse universo íntimo em contato com o público.

Macarena conduz suas pulsações numa linha em que assume a consequência de cada ato. Não estamos falando de causalidades, mas de atos poéticos que têm consequências tanto para quem atua quanto para quem assiste. E isso difere muito da dança. Não que o ato de dançar seja um ato sem conseqências para o bailarino. O que difere, aqui, é que instaura-se não um plano de abstração, mas de pulsações que conduzem aos limiares de um ser no estado da paixão. Ou seja: o performer não atua, mas é arrastado (isso quer dizer paixão) para estados outros, paisagens outras.

O que permite a nós espectadores produzir um sentido sobre o ser que sofre a ação. Para alguns isso pode gerar uma estória. Neste caso, a minha história seria diferente da sua. O que para o Grotowski da fase do Objetctive Drama não faria sentido. Quando uma cena não estava clara, ele pedia que os performers voltassem com a coisa mais definida, de tal modo que cinco pessoas que assistissem vissem a mesma coisa. Ou será que ele queria dizer que as ações deveriam ser claras e precisas para mais de um espectador e não necessariamente sua significação? Ou seja, eu sei que ele cai, levanta-se, dirige-se ao outro, desvia-se etc.

Há que se debruçar sobre isso em outro momento.

Poderíamos falar de personagem? Somente no sentido de que se trata de um actante estado, como diz Matteo Bonfitto em o Ator compositor. Mas, poderíamos dizer mais: personagens-larvares, inspirados em Deleuze. De minha parte, interessam-me os fantasmas famintos. Mas isso é outra história, que tem a ver com minhas buscas dos seres ficcionais.

Cabe também dizer que os ritornelos de Macarena – e é precisamente isso, esqueçamos essa idéia de “partitura de ações físicas” – não servem como fundo para uma caracterização que venha a cobrí-los e, assim, estabelecer a cena/criação teatral. Não há fábula (mas há fabulação). Macarena vem do campo da dança, assim como Fernanda Lippi. Mas abandonam o bailado e a abstração. Entretanto, não chegam a atualizar o jogo completamente numa personagem épica ou psicológica. O aspecto larvar permanece puxando as forças de individuação (que atuam, que ocorrem).

Quando Macarena termina deitada no fundo, exaurida, Pedro Bastos entra, fecha as paredes com pretas, inclusive a do fundo, onde repousa a performer. Estamos agora numa caixa preta. São projetadas imagens no chão – e vemos que isso tem a ver também com a performance de Macarena. Ele se expõe no filtro de uma imagem projetada e incia uma série de ações.

Pedro interage com o universo da mídia com a qual ele trabalha: imagens computadorizadas. Ele pega os papeizinhos coloridos do círculo (papéis post-fix) e vai enumerando três classes de temas: uma cor para as coisas que gosta, uma cor para as coisas que não gosta e outras para as coisas vazias. E vai nomeando sensações, objetos, experiências (parece-me que surgidas na convivência com Macarena num espaço fechado de laboratório). Tudo isso é transformado, sempre no plano do chão, em imagens que se movimentam.

Na conversa aberta ao público posterior às cenas, Pedro Bastos referia-se a seu trabalho como perfomer em termo de “tarefa”. Antes um fotógrafo e um pesquisador de imagens computadorizadas, Pedro Bastos define-se como um performer que opera por tarefas e não propriamente por personagens ou movimento (dança).

Aparecem, aqui, dois procedimentos ou operadores de uma performance como linguagem: a ação do performer como pulsações corporais e como tarefa. São também dois planos de imanência distintos – e no entanto, estão os dois no mesmo plano do corpo manifesto.

Cabe lembrar que grande parte do teatro performativo opera com tais planos de criação. O Wooster Group, por exemplo, entende a ação do performer justamente como uma tarefa a ser realizada: não há interpretação.

Na conversa aberta ao público os performers expuseram as idéias geradoras do trabalho. Pelo que pude entender, partiram justamente de uma imagem de um dos participantes, um biólogo que fazia parte do grupo de trabalho. Ele conta que na escola o castigo era escrever 500 palavras numa bolinha de ping-pong. Ficaram com essa idéia na cabeça e foram se contagiando por outras. Essa a marca essencial de um trabalho colaborativo: o grupo é contagiado por idéias, lembranças, imagens e afectos compartilhados. E o que é mais interassante: nada disso estava representando na cena.

O que pudemos compartilhar é da ordem do irrepresentável.

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Entre contenções: a poética de Eduardo Fukushima

No Zikzira Espaço Ação, pude assistir à dança-performance de Eduardo Fukushima, seguida de debate com ele, Helena Katz e público.

Por que chamo de dança-performance? Porque já é uma dança outra: os movimentos são contidos, com alguns deslocamentos em linha, onde atuam gestos e forças. Falo de uma dança outra porque se trata de pura singularidade. Não se parece com nada.

De minha parte, digo que a performance/dança de Eduardo me retira de todos os lugares convencionais do que se chama dança. De sua expressividade idealizada, dos movimentos que começam sempre pelas pontas e envolvem articulações etc. Daquilo que eu sei – por hábito, por memória – isto é dança!

Fernanda Lippi e André Semenza do Zikzira Teatro Físico, falaram do projeto Solilóquio: das actions de Grotowski, mas que, diferente dele que buscava a Arte como veículo, seriam realizadas diante do público. O Zikzira proporciona, assim, as trilhas para algo que já não é mais dança, que já não é mais teatro…

Helena Katz fez observações e perguntas diretas a Eduardo, a respeito do seu processo de criação. Ele contou-nos um pouco de sua história, dos seus procedimentos criativos, do seu processo de trabalho. Uma história que é uma vida, com seus traços e embates. Helena Katz falou de algo que me chamou muito a atenção: sobre as informações conectadas por hábito, como ocorre não só nos movimentos cotidianos mas, também, no universo da dança, e que Eduardo Fukushima subverte tão bem.

No meio das discussões que acabariam por remeter tais expressividades a um universo pessoal, Marcelo Kraiser, na platéia, lembrou que a arte levava antes a um impessoal. Eduardo cria uma paisagem que pertence somente a ele, sem ser contudo, justamente, da ordem do pessoal.

O que eu vejo na criação de Eduardo Fukushima: se todas as religiões do mundo acabassem – e já acabaram, apenas que elas não sabem disso – ele teria inventado uma: a sua dança. Mas essa seria uma religião que não serviria para ninguém. Somente para ele. E é uma coisa do deserto. Algo do maravilhoso.