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Arte e Cultura Geral Zonas Experimentais [ZnEx]

Augusto de Campos e Noigandres – vídeo de Cristina Fonseca


Referências:

Do Youtube:
No trecho de um vídeo de Cristina Fonseca (Poetas de Campos e Espaços,
1992), Augusto de Campos faz a leitura, em provençal e português, de
uma estrofe da Canção XIII do trovador Arnaut Daniel e trecho do
Canto XX de Ezra Pound.

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Entre contenções: a poética de Eduardo Fukushima

No Zikzira Espaço Ação, pude assistir à dança-performance de Eduardo Fukushima, seguida de debate com ele, Helena Katz e público.

Por que chamo de dança-performance? Porque já é uma dança outra: os movimentos são contidos, com alguns deslocamentos em linha, onde atuam gestos e forças. Falo de uma dança outra porque se trata de pura singularidade. Não se parece com nada.

De minha parte, digo que a performance/dança de Eduardo me retira de todos os lugares convencionais do que se chama dança. De sua expressividade idealizada, dos movimentos que começam sempre pelas pontas e envolvem articulações etc. Daquilo que eu sei – por hábito, por memória – isto é dança!

Fernanda Lippi e André Semenza do Zikzira Teatro Físico, falaram do projeto Solilóquio: das actions de Grotowski, mas que, diferente dele que buscava a Arte como veículo, seriam realizadas diante do público. O Zikzira proporciona, assim, as trilhas para algo que já não é mais dança, que já não é mais teatro…

Helena Katz fez observações e perguntas diretas a Eduardo, a respeito do seu processo de criação. Ele contou-nos um pouco de sua história, dos seus procedimentos criativos, do seu processo de trabalho. Uma história que é uma vida, com seus traços e embates. Helena Katz falou de algo que me chamou muito a atenção: sobre as informações conectadas por hábito, como ocorre não só nos movimentos cotidianos mas, também, no universo da dança, e que Eduardo Fukushima subverte tão bem.

No meio das discussões que acabariam por remeter tais expressividades a um universo pessoal, Marcelo Kraiser, na platéia, lembrou que a arte levava antes a um impessoal. Eduardo cria uma paisagem que pertence somente a ele, sem ser contudo, justamente, da ordem do pessoal.

O que eu vejo na criação de Eduardo Fukushima: se todas as religiões do mundo acabassem – e já acabaram, apenas que elas não sabem disso – ele teria inventado uma: a sua dança. Mas essa seria uma religião que não serviria para ninguém. Somente para ele. E é uma coisa do deserto. Algo do maravilhoso.

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Estarei lá: Eduardo Fukushima no projeto Solilóquio

Zikzira Espaço Ação traz no projeto Solilóquio o performer paulista Eduardo Fukushima, nos dias 04 e 05 de outubro, às 20 horas. No dia 04 haverá um debate com Helana Katz.

Agenda:
EDUARDO FUKUSHIMA – SOLILÓQUIO
Data: 04 e 05/10 (20h)
Local: Zikzira Espaço Ação (Rua Laplace, 18A – Santa Lúcia / BH-MG)
Contato: (31) 3293-0833
ENTRADA FRANCA – Os ingressos podem ser retirados 1 hora antes do espetáculo. Censura Livre.

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Intervenção urbana: A última palavra é a penúltima

vertigem

São Paulo, Virada Cultural – um evento que reúne um zilhão de apresentações artísticas e outras ocorrências culturais, em diversas regiões e espaços da cidade, 24 horas. Ontem à noite vi uma cidade ocupada pelas pessoas, de todas as idades e gostos, de todas as tribos e escolhas. Uma coisa da urbe, da multidão, da felicidade de andar a pé pela cidade, noite adentro.

Lembrei-me, guardadas as proporções, da Zona de Ocupação Cultural, projeto que acontecia no Centro de Cultura Belo Horizonte, quando eu estava à frente do espaço e, junto com uma equipe maravilhosa realizamos esta entre outras ações. A Zona acontecia de meio-dia às 02 da manhã, com apresentações artísticas, debate, intervenções artísticas no espaço urbano e toda sorte de agitação molecular. Obviamente, não se compara com a Virada Cultural, em São Paulo, onde é tudo ao mesmo tempo e de uma só vez, num mega evento em múltiplos pontos pela cidade. Além disso, a Zona carregava os traços de uma mini-TAZ (Zona Autônoma Temporária), com ênfase em arte processual e experimental. Os artistas eram convidados a ocuparem os espaços do Centro de Cultura Belo Horizonte.

Vamos à intervenção cênica: “A última palavra é a penúltima”. A encenação ocorre numa passagem subterrânea no Viaduto do Chá, com duração média de 40 minutos. O projeto é uma parceria dos grupos Teatro da Vertigem (São Paulo), Zikzira Teatro Físico (Belo Horizonte) e La Otra Orilla (Peru).

Eis os aspectos que alinhavo:

1. Intervenção cênico-urbana é o nome para ações que se realizam na vida da cidade, pervertendo e resignificando espaços, compondo com os elementos constitutivos desses locais. Conecta-se com a criação cênica chamada de site specific, que define uma obra construída especificamente para um local. Há uma conceituação interessante do Itaú Cultural sobre o site specific. Richard Shechner, por exemplo, fala de um environmental theater.

2. O espaço-passagem tem duas vitrines laterais, nas quais o público entra e senta em cadeiras dispostas no local: uma média de 25 para cada vitrine. A iluminação joga com os elementos de visibilidade/invisibilidade, já que, dependendo dos jogos de luz, os filtros dos vidros tornam as vitrines transparentes ou opacas, conforme a cena. Enquanto isso, os performadores e outros públicos transitam pelo espaço, misturando-se à cena, gerando uma zona de indiscernibilidade entre os dois. O público que passa juntamente com os atores não vê as pessoas de dentro das vitrines. A trilha sonora cria, juntamente com luz, espaços e ações um ambiente de imersão.

3. A cena joga com o que sabemos e não sabemos. Com o que percebemos e não percebemos. Nesse aspecto define muito bem a função de uma composição cênico-corpórea que dialoga intensivamente com o espaço cotidiano da cidade e, de modo mais preciso, com um lugar específico (que não o edifício teatral).

4. Pode ser questionado se, em vez de intervenção urbana, não seria mesmo teatro, dadas as condições de haver plateia etc. São as duas coisas ao mesmo tempo – é o que eu penso. As potências do simulacro estão misturadas com a interferência do real na cena (público que passa, o cão correndo na passagem, cujos latidos ouvimos em meio à trilha), as dimensões e características do lugar. O que importa, antes de tudo, é a capacidade de transformar um espaço voltado para um fim (quando passo ali, cotidianamente, estou metido numa relação de meios-fins em que o mundo está submetido ao uso que faço dele) num espaço habitado por forças e intensidades. John Cage dizia que se você quer ver teatro basta sentar num banco de praça e enquadrar um ver e um ouvir. Aliás, Cage ouvia música como teatro. Desse modo, teatro estaria além das chamadas convenções teatrais.

5. A encenação é uma composição de imagens e sons. Imagens do espaço real, imagens do espaço transformado, imagens de corpos vivendo as potências do simulacro e de corpos reais.

6. O ator e performador Paulo Rocha, do Conjunto Vazio (em Belo Horizonte), que vem realizando intervenções nas rotatórias da cidade, têm discutido algumas questões sobre essa cena outra. Paulo, que também assisitiu ao evento, lembra que muitas tentativas de realizar performances que dialogam com espaços tendem a trabalhar equivocadamente a partir do que se pode chamar de ator-interpretativo. Ou seja, pensam no ator que interpreta personagens, agora “solto” numa “performance”. Acrescento que tais ações muitas vezes se equivocam porque os atores ou performadores não sabem com o que estão compondo, justo porque não há uma situação teatral que os guie em termos de ondequem e o quê. Trata-se de outro plano de criação: a de um ator-compositor passando pelo performador (no campo da performance art). No caso de A última palavra é a penúltima, Paulinho lembra a característica minimalista das ações. São ações detalhadas, de forte impacto visual e cênico. Imagens que dizem por si só.

Referências:

O que é performance – por Richard Shechner

Neste blog: A última palavra é a penúltima: intervenção urbana.

Dossiê: Intervenções Urbanas- blog Vírgula Imagem, de Marcelo Terça Nada
COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de
experimentação. São Paulo: Perspectiva, 1989.
______. Working in progress na cena contemporânea. São Paulo: Perspectiva,
1998.
______; GUINSBURG, J. Do teatro à performance: aspectos da significação da
cena. In: SILVA, Armando Sérgio da (Org.). J. Guinsburg: Diálogos sobre teatro.
São Paulo: Perspectiva, 2002

 

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Do Teatro Performativo e das vanguardas: anotações sobre o Encontro Mundial de Artes Cênicas

Abro algumas anotações sobre duas conferências do 6o Encontro Mundial de Artes Cênicas A cena emergente.

Josethe Féral apresentou uma conferência intitulada “Por uma poética da performatividade”. O conceito de performatividade é colocada no lugar de teatro-pós moderno e teatro pós-dramático.

– Por que performatividade? Féral entede que o conceito de performatividade está no centro do teatro hoje. Ela discutiu o conceito de performance, que subtende duas visões: a) o conceito antropológico, estudado e difundido por Richard Schechner e b) o conceito oriundo do campo da performance art. Féral fará uso das duas fontes para construir a noção de performatividade. No primeiro caso, ela considera que o termo performance toma um sentido muito amplo, ao abarcar, na trilha de Shechner, todos os domínios da área da cultura, desde os ritos, esportes, eventos espetaculares etc. O conceito, então, perderia muito de sua eficácia teórica.

– Féral contextualiza essa linha de pensamento: no desejo político dos anos 80 de reinscrever a arte no cotidiano, combatendo ainda a separção entre cultura popular e cultura erudita. A obra que teria impactado decisivamente o contexto cultural nesta perspectiva é The end of humanism, de Richard Shecnner, publicada em 1982.

– Josette Féral ainda citou outro autor e obra, que não consegui anotar, e que teria focado a performace como pensamento artístico. Renato Cohen, um autor, criador e difusor desse campo no Brasil, seguia justo pelas trilhas de uma performance como linguagem. A performance, nesse sentido, redefiniu, para Féral, os parâmetros da arte e do teatro.

– Portanto, para construir o conceito de performatividade ela utiliza, numa via, a visão antropológica, via Schechner, para quem o ato performativo caraceteriza-se como um jogo ritual sob três aspectos: being (ser), doing (fazer) showing (mostrar). E noutra via, as pesquisas e criações da performance art.

– No teatro perfomartivo, não estamos mais na esfera da representação, mas no acontecimento – no real. Tais realizações não podem mais serem julgadas, diz Féral, como sendo verdadeiras ou falsas: elas simplesmente acontecem. Pertecem à ordem da ocorrência (eventness). Coloca-se em cena o processo, realçando o aspecto lúdico do acontecimento, num risco real do performer.

– Josette Féral mostra ainda que a performatividadade tem a ver com os elementos de desconstrução e intertextualidade, de escrita como obra performática (Derrida). Nesta ordem, pode-se ou não, no teatro performativo, que o objetivo seja atingido. Há uma desconstrução dos signos e o espectador descobre o prazer em participar disso. O objetivo da performance não é o de produzir signos, como é o caso do teatro, mas sim de flutuar na ambiguidade das significações.

– No final de sua exposição, ela pergunta se a performatividade, ao se contrapor à representação, não estaria se diferenciando também da teatralidade.

Richard Schechner fez teleconferência intitulada “Cinco vanguardas… ou nenhuma”. Alguns traços por ele realizados me chamam a atenção: a) se ainda podemos falar de vanguardas quando em todos os lugares (festivais, encontros etc.) o que temos são os procedimentos e realizações da performance, das linhas de experimentação em arte; b) a economia global; c) a transformação da arte em evento (vide o 11 de Setembro nos EUA); d) as relações entre arte e ritual. Apesar de não estarem situadas no mesmo dia, a fala de Schechner me coloca muito mais em continuidade e contraponto à de Josette Féral – por isso as apresento juntas.

– A exposição de Schechner sobre a globalização e a performance, assim como a transformação da arte em evento trouxe muitas perguntas. Schechner citou dois comentários de artistas sobre os ataques às torres gêmeas, sem falar no seu comentário pessoal, já que ele assistiu à destruição do seu próprio apartamento. O que ele afirma é que não se tratava, naquele caso, de uma ofensiva puramente militar, mas de uma investida no plano mental, na transformação do evento num espetáculo: no efeito do medo. Schechner cita dois comentários de artistas sobre o ataque às torres gêmeas. Primeiro, o músico Karlheinz Stockhausen, que afirmou sobre o ataque terrorista: “O que aconteceu lá, e agora todos vocês têm de reajustar seus cérebros, é a maior obra de arte que já existiu”

– O segundo, Dario Fo, que disse ser a destruição de vidas produto da mesma lógica, capitalista, que mantém milhares de pessoas em condições sub-humanas no planeta, quando não simplesmente mortas dia após dia. O que chocou a mídia e muitas outras pessoas, diz Schechner, não foi a fala de Dario Fo, mas a de Stockhausen, porque este cita a arte. Equivale um ataque terrorista à categoria de obra de arte? É a pergunta que Richard Schechner deixa no ar.

– Muitas e muitas pessoas no mundo dedicam-se à arte como vida, realizando o sagrado, não buscando recursos ou fama. Lembremos que, no contexto do pensamento de Schechner a performance está ligada às dimensões simbólicas do agir humano, se posso dizer assim. Portanto, como ele mesmo disse na teleconferência, se há os que procuram na arte a chance de se tornarem inseridos no mercado, há os que se dedicam aos aspectos religiosos e cotidianos. Há, aqui, ecos de John Cage, que Allan Kaprow teria se apropriado ao falar de uma arte como vida, diferentemente de uma arte como arte. Se esta última segue na linha de tradição da obra de arte a outra tem por necessidade as pequenas ritualizações cotidianas que formam experiências possíveis experiências estéticas.

John Cage, apropriando-se do Zen Budismo, trouxe esse plano possível: o de que não há nenhuma experiência do sagrado (em religião ou arte) que seja superior à nossa experiência cotidiana.

– Penso que, num mundo globalizado, de um capitalismo que se faz cognitivo e cultural, a performance art e os planos de experimentação passam a fazer parte daquilo que Maurizzio Lazzarato e Antonio Negri chamam de “trabalho imaterial”.

– Além disso, penso que Shechner está falando não somente de uma performance num sentido amplo, que é o antropológico (ritos e modos de ser, fazer e mostrar), mais do que isso, ele abala definitivamente as fronteiras e limites da arte, trazendo-a para o plano da mente e da impossiibilidade de categorização. A arte explode para fora dos seus redutos de desenvolvimento e passa por mutações.