“O capitalismo não nasce da dispersão dos fluxos mas, pelo contrário, de sua conjunção. Sob sua forma elementar, o capitalismo só surge com o encontro de dois fluxos independentes: ‘de um lado, o trabalhador desterritorializado, devindo trabalhador livre e nu, tendo para vender sua força de trabalho; do outro, o dinheiro descodificado, devindo capital e capaz de compra-la'(1).
Sexta-feira antes do entardecer, o clima um pouco suave devido às chuvas que parecem ter caído em algum lugar, com a luz solar inundando a paisagem. Mais uma vez tomo um ônibus diametral, em Belo Horizonte – desses que atendem à região metropolitana. Não estava indo a algum bairro distante ou cidade, mas sim aproveitando essa viação que passa na rua onde moro, quando pretendia ir ao baixo centro da cidade. Mais precisamente, querendo descer na Praça da Estação.
“Hoje não é mais possível reinventar o ‘mundo-verdadeiro’ tal como ele teve vigência, quanto mais não fosse porque não conseguiríamos disfarçar por muito tempo o fato de que, precisamente, ele estaria sendo re-inventado – e por isso a instauração ou restauração de um Saber Absoluto só pode ser um logro. Mas a que se deve que os filósofos consigam conservar, com tanta obstinação, sua nostalgia do ‘mundo verdadeiro’? É esta, para Nietzsche, uma das numerosas forms do que ele chama de ‘niilismo incompleto’, isto é, uma forma dentre outras de fugir da ideia de que todo sentido pode ser, simplesmente, produto de uma avaliação, de uma criação. Esta ideia, sacrílega por excelência, tem de permanecer impensável – e todas as formas do ‘niilismo incompleto’ não passam de tentativas para a evitar. Até o mais fanfarrão dos niilistas prefere se resignar à constatação de uma falta de sentido; prefere proclamar que verdade não há, deixando assim implicitamente intacto o ideal de ‘verdade’ – esse ideal ao qual o racionalismo quer dar um conteúdo. Mas, entre um e outro, a diferença será tão grande? Na verdade, é niilista – ‘niilista incompleto’, é verdade, e não ‘niilista forte’ – quem ainda não põe em questão o ideal de ‘verdade’. Quem ainda se recusa a denunciar como impostura a ideia de existir um horizonte de sentido prévio a qualquer avaliação. Quem ainda não recusa o princípio mesmo de um Logos não criado que possa proporcionar abrigo e proteção aos homens.”
Gérard Lebran, in O Avesso da dialética: Hegel à luz de Nietzsche. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.143-144
O acontecimento se dá no encontro. Nos casos que relato a seguir, estou dizendo de um corpo (o meu) que se depara com outro corpo ou corpos na singularidade de uma situação. Uma cena que emerge desse lugar. Não é um tipo de uma ocorrência, diz Deleuze sobre o acontecimento. É uma síntese disjuntiva mundo-linguagem.
Interesso-me pelos signos sensíveis do cotidiano – que têm sido parte de iluminações avulsas, epifanias do momento, engendradores de acontecimentos.
No caso, quero falar de algumas ocasiões em que sou tomado pela percepção de uma singularização do social, a partir do acontecimento proporcionado pelos signos sensíveis do cotidiano. Um agenciamentos que se inscrevem nos corpos num dado momento e que revelam mudanças na esfera econômica principalmente.
Talvez você possa considerar estranho ou mesmo difícil que a imediaticidade do acontecimento, no âmbito do sensível, possa diagramar algo de natureza analítica: a compreensão de uma mudança em curso na sociedade. Que os corpos exibem como marcas, em que eles estão comprometidos. A expressão não existe fora dos seus termos – no caso, a imanência concreta da vida cotidiana.
O Poro – uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada – vem produzindo, além das intervenções urbanas e outras ações efêmeras, cartazes como este para distribuição gratuita.
O tema cozinhar é um ato revolucionário é um dos temas mais belos – não só pelo cartaz, mas também pelo ato em si. Você se cuida, valoriza cada momento, desenvolve estratégias vitalizantes, torna-se mais solidário. E não se esqueça de lavar as louças e deixar a pia limpa – senão, não é nada revolucionário.
Aprendi a cozinhar por volta dos 18 anos de idade, quando aderi à alimentação natural e macrobiótica. No começo, na minha casa, um rapaz disputar o fogão era quase um absurdo. Depois foi se tornando corriqueiro, até aceitável.
No meio do caminho, perdi esse vínculo com o ato de cozinhar. Em parte isso se deu porque adotei a alimentação crudívera. Que tem dicas muitos interessantes – principalmente sobre os brotos. Mas não é suficiente, pois o nosso cérebro se desenvolveu quando passamos a utilizar os alimentos cozidos. A energia gasta na digestão dos alimentos crus foi utilizada para outros fins. Também está relacionado ao convívio – ao ato de cozinhar e comer juntos, segundo alguns estudos antropológicos.