Categorias
Arte e Cultura Geral Micropolítica

Cozinhar é um ato revolucionário

cartazes-poro-10a
Cartaz produzido pelo Poro

 

O Poro – uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada – vem produzindo, além das intervenções urbanas e outras ações efêmeras, cartazes como este para distribuição gratuita.

O tema cozinhar é um ato revolucionário é um dos temas mais belos – não só pelo cartaz, mas também pelo ato em si. Você se cuida, valoriza cada momento, desenvolve estratégias vitalizantes, torna-se mais solidário. E não se esqueça de lavar as louças e deixar a pia limpa – senão, não é nada revolucionário.

Aprendi a cozinhar por volta dos 18 anos de idade, quando aderi à alimentação natural e macrobiótica. No começo, na minha casa, um rapaz disputar o fogão era quase um absurdo. Depois foi se tornando corriqueiro, até aceitável.

No meio do caminho, perdi esse vínculo com o ato de cozinhar. Em parte isso se deu porque adotei a alimentação crudívera. Que tem dicas muitos interessantes – principalmente sobre os brotos. Mas não é suficiente, pois o nosso cérebro  se desenvolveu quando passamos a utilizar os alimentos cozidos. A energia gasta na digestão dos alimentos crus foi utilizada para outros fins. Também está relacionado ao convívio – ao ato de cozinhar e comer juntos, segundo alguns estudos antropológicos.

Categorias
Geral Sobrevivência: estratégias

Gestos e jeitos de corpo

IMG_20120609_174900

 

Vou lhe contar uma história. Sobre o que chamo de gesto e jeito de corpo.

Foi num dia em que eu estava muito triste e preocupado. Um pardal depenado, se ajeitando no fio quase desencapado de uma pauta de monotonia. Pois que me faltavam horizontes. Não sabia como iria sobreviver.

A rua quase deserta de uma tarde de sábado, de um bairro distante dos que eu costumava passar e morar. O ônibus demorava muito. E eu ali, sozinho e acabrunhado. Foi então que apareceu um jovem. E que de mim se aproximou com cautela. Parecia que ele tentava decifrar um enigma.

– Cara, eu te conheço!

– Me conhece? De onde?

– Eu trabalhava como carregador de caixas num supermercado. Você era meu herói.

– Como assim?

– Você entrava no supermercado meio correndo, meio dançando, sempre alegre, sem camisa, peito nu… Com uma calça vermelha, cabelos enormes. E sumia logo, para voltar do mesmo jeito outro dia.

– Ah…

– Eu te admirava muito. Aquilo era muito diferente de tudo. Eu queria ser assim, como você.

– (…)

– Mas você mudou. Nem te reconheci. Você não é mais aquele cara…

– (…)

Olhei para mim. Ou tentei olhar. Minha camisa polo desgastada, meus cabelos cortados… Era isso? Não, não era só isso. Meu corpo estava cansado, apesar de ainda um pouco jovem. Cansado de não ver mais o adiante. Pois que o perto era aperto e nó na garganta. Não era só uma questão de plumagens. Era muito mais de armas que me faltavam. Falo das minhas artes: do gesto e do jeito de corpo.

O ônibus veio. Despedi do rapaz. E quando ia subindo ele gritou de lá:

– Já sei! Você não mudou não! Você está camuflado!

Sacudi de leve a fuligem das minhas tristezas. O ônibus me embalava e eu não tinha ideia do que me seria.

Outros gestos e outros jeitos de corpo viriam, horizontes reinventados. É necessário saquear alegrias, tomando-as em meio aos escombros e aos ossos do dia a dia.

 

Categorias
Filosofia Geral

Deleuze: do uso intensivo e do uso extensivo da linguagem

 

Num artigo intitulado O agramatical: os procedimentos da diferença, Júlia Maria Costa de Almeida explora relações entre pesquisa filosófica e experimentação literária na filosofia da diferença em Gilles Deleuze.  A seguir, alguns trechos que selecionei, recomendando antes a leitura do texto completo. Aliás, ele faz parte do livro A diferença, organizado por Luis B. L. Orlandi, publicado pela Editora Unicamp.

Os trechos que aqui apresento, incidem sobre esse caráter agramatical da literatura contemporânea, especialmente sobre os conceitos de tensores em Deleuze. Nessa parte, a autora aborda a distinção entre o uso intensivo da linguagem em contraste com o uso extensivo ou representativo. Esse artigo de Júlia Maria Costa de Almeida explora com clareza tais usos, de modo a liberar a potência criadora da linguagem. O tema rebate, ao meu ver, em nossas interpretações do mundo, tão presas que estão a esses usos representativos da linguagem.

“Deleuze e Guattari fazem notar, em Kafka – por uma literatura menor (1977), que o uso extensivo compensaria a desterritorialização primitiva da língua, isto é, o fato de que, para surgir, a língua implica uma desterritorialização, da boca de sua função alimentar primeira, por uma reterritorialização sobre o sentido. Aquele som desterritorializado, ou sem território próprio, se torna o instrumento do sentido e, como tal, cumpre uma função designativa (designa coisas ou estados de coisas) ou figurativas (quando se aplica a casos especiais, como na metáfora). Esse uso extensivo dominaria as operações de criação de símbolos, de imagens e de sentidos ocultos. O uso intensivo, ao contrário, leva adiante a desterritorialização primitiva da língua, levando a matéria fônica a atravessar um continuum de estados e de variações, restando apenas um mínimo de sentido a conduzir o devir das palavras. No uso extensivo, uma palavra como ‘cão’ designaria um animal (algo que se comporta como um cão). No uso intensivo, as palavras são levadas a experimentar um devir-cão: ladram, rangem, vibram em intensidades, fazendo nascer um cão linguístico, que não é uma coisa designada nem uma imagem figurada, mas uma intensidade-cão cavadas nas palavras, pela neutralização dos processos de sentido, pela criação de um continuum, isto é, pela instauração de um processo de variação contínua, tal como em Kafka e o continuum intenso dos devires-animais. Estaríamos no plano de ação dos tensores operadores de tensão na língua.”  

Categorias
Geral

Os 50 anos do golpe militar e o general de dedo em riste

escadadoicodi
Escada de acesso às celas do extinto DOI-CODI, centro de tortura da ditadura militar em SP
Por: Roney Domingos – Globo.com

 

O general da reserva, Leônidas Pires Gonçalves, continua de dedo em riste. Mesmo depois das últimas evidências, incluindo depoimento de militares comprovando torturas e assassinatos.  Ele continua dizendo que o golpe de 1964 foi uma “revolução democrática”.  Antes da Comissão da Verdade ser instaurada, negava de modo contundente as denúncias. Agora, numa entrevista recente à Folha de São Paulo, o general passa a fazer a defesa do assassinato, quando realizado pelo Exército:

“O militar cumpre ordens. Contra bandido, você não pode fazer outra coisa. Na hora da guerra, é matar. Não somos pacifistas na hora da guerra. O soldado é o cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência. Por que não quero o Exército na rua fazendo o papel de polícia? Somos bélicos, não sabemos botar algema ou usar cassetete, sabemos dar tiro.”

Tal argumento demonstra que não há Lei. E tampouco qualquer evidência, prova ou testemunho. E o general continua de dedo em riste – algumas vezes intimidando o interlocutor:  “Já vi que sua posição é meio esquisita”.

Então, general, se o soldado cumpre ordens, quem deu as ordens de sequestrar, torturar, matar e ocultar cadáveres? 

Categorias
Arte e Cultura Artes Cênicas Filosofia Geral Micropolítica

Produzir o que escapa: entrevista a Ana Lydia Santiago

 

 

Entrevista concedida a Ana Lydia Santiago, para o Site do IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise. Tema: Um real para o século XXI.

Performance, real, morte, infância, século XXI.

Referências:

Site do I Confresso da Associação Mundial de Psicanálise: Um real para o século XXI.