Não se trata de comunicação: a arte do teatro

O teatro vem sendo acostumado a acreditar que muito de sua arte se resume a uma comunicação entre palco e público. Defendo aqui que não se trata de comunicação. Mas isso não quer dizer que a encenação se fecha num espaço hermético, que ignora as pessoas etc. Penso antes que há um choque primordial (no sentido parabólico) entre dois seres. Brindo vocês com uma tradução que faço dessa citação do encenador polonês Tadeusz Kantor, que fala desse choque/encontro, que compõe com forças que não podem ser reduzidas a qualquer codificação (mantenho a sua formatação original):

“É necessário re-colocar o significado essencial do relacionamento: ESPECTADOR e ATOR. É NECESSÁRIO REDESCOBRIR A FORÇA PRIMORDIAL DO CHOQUE TOMANDO POSSE DO MOMENTO QUANDO O HOMEM ANTAGÔNICO (O ESPECTADOR) POSICIONOU-SE PELA PRIMEIRA VEZ DIANTE DE UM HOMEM (O ATOR) DEPRECIAVELMENTE SIMILAR A NÓS, AO MESMO TEMPO INFINITAMENTE ESTRANGEIRO, ALÉM DE UMA INTRANSPONÍVEL BARREIRA.” (1)

(1) KANTOR, Tadeusz. A journey through other spaces: essays and manifestos, 1944-1960. Edited and Translated by Michal Kobialka. With a Critical Study of Tadeusz Kantor´s Theatre by Michal Kobialka. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1993

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

Uma resposta em “Não se trata de comunicação: a arte do teatro”

É a distância que permite um encontro, o que faz da mínima distância, uma proximidade é a presença e “a presença só é presença à distância, e esta distância é absoluta, ou seja, irredutível”, segundo Blanchot. É necessária uma distância, tal qual uma fresta, pela qual o ar pode circular, senão nos sufocamos. E nesta distância, palavra tão ambígua quanto fronteira, sim, tratar-se-ia de uma fronteira! E Prigogine já nos mostrou a potência das incertezas na Química, quando o último bastião desta ciência veio ao chão, frente à molecularidade caógena da matéria. Um exemplo, a pele, e sua porosidade, que permite entradas/saídas até a contra-gosto, desconstruindo a um só golpe a distinção interno ou externo, instaurando algo interno_e_externo, o contrário de uma síntese simbiótica, ou seja, ainda há fronteira sustentada por uma proximidade (=pequena distância). E as fronteiras são ultrapassadas por duas espécies de moventes “humanos”, os turistas e os estrangeiros. Os primeiros se movem pelo consumo, enquanto estes últimos costumam transitar numa duração que permite experiências outras. Cabe o alerta: Estrangeiros e turistas estão dentro e fora de nós, tal qual os linhas de fuga, e as linhas de culto à morte (microfascismos), numa tensão que aniquila dualismos e dicotomias, em dobras. Muitos já nos conduziram a experimentações que provaram, ou ao menos nos fizeram sentir, a porosidade entre atores, os do palco, e os da platéia. Opa! Mas existe ainda esta distinção? Sim, e é necessária até certo ponto, para garantir esta disntância mínima que põe num mesmo território forças em tensão, num campo cuja imanência permite a produção de diferença.

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