O novo site do Poro – intervenções e ações efêmeras – está um primor. Não só devido à elegância do visual, mas também às funcionalidades – nele você encontra tudo sobre os traçados e repertórios da dupla de artistas que o formam. Além de referências que desdobram e conectam esse plano de porosidades poéticas que a dupla de artistas, Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! desenvolve desde 2002.
Categoria: Urbano
Quando piso no primeiro degrau do ônibus, deparo-me com a frase “seja bem-vindo”. Curti aquilo e cumprimentei o motorista: – Bom dia! E ele me devolve outro “bom dia” com um sorriso impressionante, muito raro de se ver nas paisagens que habitamos, nas quais o mau-humor, quando não a ironia corrosiva, tem sido um afeto dominante.
Ocorre que, ao passar por aquele senhor de cabelos brancos e sorriso iluminado, veio-me a lembrança do Cigano, o motorista que contagiava a nós, garotos da década de 60. Cigano era um jovem por volta dos seus vinte anos, com imensas costeletas, a camisa um pouco aberta e uma colar tipo corrente no pescoço.
É só mais um dia que vai
A parte da frente do ônibus, anterior à roleta e onde fica o motorista, começa a encher sem parar. Ali se juntam algumas pessoas idosas que não têm o cartão de passe livre e devem descer pela porta da frente, e mais alguns e algumas jovens que provavelmente não pretendem pagar passagem. Tarde de um final de recesso escolar. Os corpos e as sensações flutuam dentro do coletivo de transporte.
A moça de musculatura forte, quase certo que por natureza ou trabalho, está de short e senta no colo de uma outra, também de short. A roupa é mínima. O olhar dessa que se senta no colo da outra é vago e parece não estar ali, naquele ônibus, naquele momento. Olha à frente e para o lado através da janela como se nada existisse, ao mesmo tempo em que está atenta, de algum modo, ao seu entorno. Diria que ela, se provocada, encara e bate – uma suposição apenas. Parecem personagens de algum filme futurista que entraram ali. Por outro viés, esse que escreve é um personagem do passado e não entende nada do que está se passando nesse mundo que lhe advém. Um modo de ver e sentir deslocado é salutar e potente quando não é um julgamento. Pois permite o estranhamento de si e de tudo em volta.
Ainda não são nove horas da manhã, na Praça Rui Barbosa (Praça da Estação), em Belo Horizonte. Imerso na questão das linhas de composição. Há sim um tema subjacente a esse olhar: as linhas e os traçados de composição. Estou indo para uma reunião num projeto de uma Escola Livre de Artes.
A poiesis dos corpos imersos no cotidiano – fora do campo da intencionalidade artística – é o que vem me ocupando. Para pensar o movimento e o que pode ser uma cena. Par pensar o corpo e suas potências. Nesses momentos, a cidade é um terreno fértil de pesquisa. O olhar típico do voyeur, tão afamado nas teorizações sobre a cena, não é esse o plano que produz a consistência dessa busca, mas sim um estado meditativo, no qual o observador se observa também no ato de observar.
Sexta-feira antes do entardecer, o clima um pouco suave devido às chuvas que parecem ter caído em algum lugar, com a luz solar inundando a paisagem. Mais uma vez tomo um ônibus diametral, em Belo Horizonte – desses que atendem à região metropolitana. Não estava indo a algum bairro distante ou cidade, mas sim aproveitando essa viação que passa na rua onde moro, quando pretendia ir ao baixo centro da cidade. Mais precisamente, querendo descer na Praça da Estação.