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Arte e Cultura Geral

Gilberto Gil ao vivo é uma obra prima

 

Meados dos anos de 1970. Gilberto Gil usava uma roupa branca. Não lembro qual música  abria o show, porém, uma delas, que abre o disco correspondente, é sim a marca daquele momento. Começava de um modo estranho: “Tava comendo banana pro santo/ Pra quem?/ Pro santo/ Pra quem?/ Pro santo/ Pra quem?

A música era João Sabino.  Longa (na gravação, mais de 11 minutos) e inspirada.  E não falava da nada muito palpável: não era música de amor, não era música de protesto, não era música de nada. Música de música. Você acompanhava um movimento que, num dos sentidos, desembocava no nascer do sol: (…) Atrás do monte/ De mi pra fáSustenido, suspendendo/ Sustentando, ajudando o sol/ Nascer…   

Gilberto Gil: refazenda na cultura


Imagem de Marcello Casal JR Abr- fonte: http://www.agenciabrasil.gov.br/media/imagens/2007/09/11/1719mc198.jpg/view

Gilberto Gil deixa o Ministério da Cultura. Há uma análise muito interessante, numa entrevista concedida por Ana de Oliveira a Leonardo Brant, no blog Cultura e Mercado do Instituto Pensarte. Ana, uma especialista no tropicalismo (veja o site tropicália), repensa a Gestão Gil sob a ótica do movimento que desmontou o modelo nacionalista e trouxe novas percepções:

“Em sua complexidade conceitual, o tropicalismo assimilou matrizes criativas distintas – desde o considerado desprezível ao mais sofisticado estilo – e estabeleceu um diálogo profícuo entre cultura de massa, mercado, tecnologia, modernidade e tradição, superando velhas dicotomias éticas e estéticas.

Sabe-se que essa gestão do Ministério da Cultura empenhou-se na criação de canais de interlocução com âmbitos e manifestações culturais as mais diversas, sem prerrogativas ou discriminação entre o popular e o erudito, o regional e o urbano, o local e o global. Se muito foi feito para promover o acesso equitativo às novas tecnologias digitais, tanto se fez pela construção de uma política específica para a preservação da capoeira, por exemplo.

Em última instância – e em poucas palavras – entendo que o impulso tropicalista para a convocação geral (de parceiros, de pensamentos, de estilos, de gênios díspares) e esse amor pela dessemelhança, pela multiculturalidade, sejam pontos sensíveis dessa convergência.”

A gestão Gilberto Gil continua com o seu parceiro Juca Ferreira. Vi Juca defendendo corajosamente, no meio corporativo das artes, a diversidade cultural, deslocando modos de ver, ampliando o debate. As três diretrizes do Ministério, cidadania cultural, expressão simbólica e economia da cultura, tornaram-se conceitos-chave para as políticas públicas para a área.

A invasão bárbara de Gil abriu caminhos para a dimensão plural das culturas: singularidades do existir cotidiano. A gestão Gil deixa-nos, antes de tudo, a condição para não ficarmos reféns das referências exclusivamente corporativas, que procuram dominar hegemonicamente o debate e o espaço político. Cultura como economia da libido, estratégia de resistência aos poderes, re-invenção do humano.

A passagem de Gilberto Gil pelo Ministério da Cultura do Brasil foi uma refazenda: “anoitecerá tomate e amanhecerá mamão” – como ele mesmo disse, ao se despedir.

Mais referências:

Gilberto Gil: lado A e lado B

Sai Gil entra Juca Ferreira

Gil, Juca e o Ministério da Cultura –

Gilberto Gil/textos (site oficial) –