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Espaço público, por Vitto Aconcci

WaterPark City, Toronto – Instalação de Vitto Aconcci

 

“Um museu é um lugar público, mas apenas para aqueles que decidiram ser público de museus. Um museu é um espaço público simulado; é autodirecionado, unilateralmente funcional, enquanto que um espaço público real é multidirecional e funcional em sua totalidade. Quando você vai a uma estação de trem, você vai pegar um trem, porém, enquanto isso, você pode visitar uma loja, ou tomar uma bebida em um bar, ou sentar-se em um salão. Por outro lado, quando você vai a um museu, tudo o que está fazendo é ir a um museu. E para ir ao museu você tem que ser um frequentador de museus; você vai a um museu com o objetivo de  ser um frequentador de museus.    

O que os frequentadores do museu querem? O que você está fazendo ali?

Dentro do museu/galeria, o artista funciona como o centro de um sistema particular, uma vez que fora desse sistema o artista está perdido entre os mundos; a posição do artista em nossa cultura é marginal. O artista público pode transformar essa marginalidade a seu favor. O artista público é forçado, fisicamente, para o lado de fora, sendo convidado a lidar não com o edifício, mas com a calçada, não com a estrada, mas com os bancos ao lado da estrada, não com a cidade, mas com as pontes da cidade para outra cidade. O artista público, por colocar-se fora e entre os centros, torna-se clandestino; a arte pública funciona, literalmente, como uma nota marginal: pode comentar e contradizer o corpo do texto principal de uma cultura.

(…)

Antes você poderia andar pelas ruas de uma cidade e sempre saber que horas eram. Havia um relógio em cada loja, tudo que você tinha que fazer era olhar através da janela da loja pela qual você passou. Mas, então, os tempos mudaram, e o tempo foi-se embora. Bem, não exatamente foi-se embora, mas certamente saiu por aí: o tempo se espalhou com um vírus por todos os corpos que andam pelas ruas. Não foi se alojar diretamente nos corações, mas se encaixou em torno dos pulsos na forma de um relógio: o relógio de quartzo, em que saber o tempo deixa de ser um problema e não exige que se preocupe com o que vestir, ou o relógio de pulso barato que você pode comprar por dois ou três dólares. Não há, portanto, mais necessidade de ter o tempo instalado na rua, em um banco ou uma loja de bebidas, nem a necessidade de o tempo ser fixado num local, para estar perto do lugar onde aconteceu, quando ao mesmo tempo você estava no seu próprio tempo, pois agora você tem o tempo (quase) na palma de sua mão. O tempo público morreu, não há mais tempo para o espaço público, e o espaço público seria, então, o próximo a desaparecer.

(…)

Quando uma pessoa entra em uma galeria/museu, esta pessoa se anuncia a si mesma como um espectador de arte. E um espectador de arte é aquele que se submete às condições da arena de arte. Ele concorda em ser uma vítima. Fora do museu/galeria, em um lugar público, não há espectador de arte; há apenas transeuntes, com diferentes histórias e preconceitos variados. Estas pessoas não pediram para ver arte, e quando se deparam com uma obra de arte pública, eles não veem isso como arte, mas simplesmente como algo a mais em seu mundo, algo que não estava lá antes. A arte pública, a fim de existir no mundo, compromete-se com certas convenções sociais, com algumas normas de coexistência pacífica, de modo que o artista do público tem a vantagem, sobre o artista de galeria, que pode simplesmente se impor ao outro. Assim, em vez de atacar diretamente, a arte pública se insinua.

(…)

Leia as palavras espaço público literalmente, obstinadamente, em silêncio. Um espaço é público quando: 1) as suas formas são públicas, suas formas são publicamente utilizáveis, podendo se sentar nelas ou simplesmente caminhar, rastejar por baixo, percorrer, esparramar-se, viver nela; 2) seus significados são públicos, seus significados são acessíveis ao público – o lugar é composto de convenções, imagens, sinais, objetos, que todos em uma cultura em particular reconhecem automaticamente, sabem de cor, 3) seu efeito é público, seus efeitos são instrumentos públicos – tanto os modos de colocar o público que o utiliza e do agenciamento público que organiza. Um espaço é público quando quer mantém a ordem pública, ou então quando muda a ordem pública. Um espaço é público, por um lado, quando ele funciona como uma prisão pública: suas convenções, imagens, sinais, objetos se tornam fatos da vida – eles fazem um sistema de ordem em que tudo está em seu devido lugar, e os cidadãos seguem isso. Um espaço é público, por outro lado, quando ele funciona como um fórum público: suas convenções, imagens, sinais e objetos são virados de cabeça para baixo, ou passam a colidir um com o outro, ou quebrado em pedaços, de modo que essas convenções se tornam desestabilizadas (não são mais fatos sólidos) e o poder de razão de cada convenção fica exposto (o espaço torna-se uma ocasião para a discussão, que pode tornar-se um argumento, que pode tornar-se uma revolução).

(…)

Um espaço vem a público quando ele desaparece para o público: o espaço se dissolve em neurônios, ondas e partículas. O espaço torna-se uma rede de espaços paralelos; espaço físico, espaço projetivo, espaço topológico; que se mistura em um espaço interligado, transmitido através de telefone, da televisão, do computador. Um espaço público, agora, no concreto, encarnado, é apenas um sonho: o sonho de sua própria dissolução. O objetivo do espaço público é se dissolver nos nervos do público, é fazer com que o espaço e o público sejam a mesma coisa.”

Tradução livre do inlgês, do site de Andere Orte

Mais referências

–  Video Data Bank

– Seguindo Aconcci/visão direcionada. Por Christine Poggi

 – Projeto Arte/Cidade – São Paulo

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

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