Categorias
Artes Cênicas Ativismo e Análise Política Geral Micropolítica

Entre estética e política: O Conjunto Vazio

Ativismo, ironia e pensamento

Eles atuam com intervenções urbanas, performances e produção teórica. Estão sempre no limite entre o risco real (incluindo o de ser preso) e a poética. As ações situam-se numa zona indiscernível entre política e estética. Estou falando de um coletivo de artistas/ativistas de Belo Horizonte e do weblog por eles criado, que leva o mesmo nome do grupo: Conjunto Vazio.

O blog tem uma apresentação gráfica interessante e limpa, com páginas de boa definição e conteúdos bem trabalhados. E coerentemente com sua proposta, o coletivo não traz os nomes das autorias dos textos e dos artistas que atuam nas performances. Há um tom de auto-ironia na apresentação –  estratégia, de fato, que é uma literalidade. Malícia bem articulada, pois evita a recaída em alguma coisa muito séria. Por exemplo: tratar o tema ou assunto de suas investidas como algo “superior” e, na rede de significações, como uma completude.  Essa estratégia aparece também nos textos sobre as performances: eles estão sempre se desconstruindo quanto aos atributos que podemos lhes agregar. Não pense que eles se cobrem de negatividade, pelo contrário, trata-se de um exercício lúdico e bem humorado.

Como dizem num dos textos do blog, as “pregações políticas são entediantes”, sendo que “já há teorias demais no mundo… é hora de fatos e atos…” Você os compreenderá melhor se perceber que tal produção não cumpre um exercício de catarse política através da retórica. Conjunto Vazio não pretende reeditar o discurso político no teatro ou na arte. Por outro lado, pelo que posso entender, não assinam embaixo da morte da teoria ou qualquer coisa parecida. Até porque, não pelos textos, mas pela própria formação do coletivo, o pensamento desempenha  no seu estar aí no mundo uma função importante. A produção teórica deve ser vista não como uma fundamentação da prática ou coisa parecida. Ela é uma prática. A introdução de Foucault ao Anti-Édipo de Deleuze e Guattari, intitulada Introdução à vida não fascista, explica essa nova função do ato de pensar:

“Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política.”

Do ponto de vista ensaístico, uma das páginas mais interessantes do blog intitula-se Vocabulário de Palavras em desuso: uma série de verbetes seguidos de textos. Um destes verbetes define a palavra “desejo“, do qual reproduzo um pequeno trecho:

“Desejar não significa apenas querer isto ou aquilo. Também não significa apenas que nós somos o que desejamos. O que é mais problemático no desejo é que nunca desejamos sozinhos. Sempre orientamos nossos desejos como respostas a questões que não são exatamente interiores, pessoais. Desejamos isso ou aquilo como resposta a um constrangimento, a uma exigência que pesa sobre nós.”

Das paisagens urbanas e da juventude

Numa das  janelas  que se abrem  (em Psicogeografia, de inspiração situacionista)  vemos alguém que se descreve numa espécie de retrato neo-realista e ao mesmo tempo com desejo de algo melhor. O texto fala de um jovem que mora numa periferia da grande cidade:

“Nos dias de semana, há operários dormindo depois do almoço no passeio e crianças voltando da escola, mais ou menos eufóricas com papagaios que caem a todo momento quando é julho. As pessoas mais novas, como eu, passam a maior parte do dia fora do bairro, porque é daqui que sai toda a mão-de-obra que alimenta os bairros ricos. Atendentes do comércio, empregadas domésticas, funcionários públicos, motoristas de ônibus, etc. todos saem cedo em coletivos abarrotados de gente e só voltam no final da tarde na mesma situação. Eu atravesso isso tudo com o rosto enfiado em um livro escrito do outro lado do mundo na esperança de encontrar algo que me diga como tornar isso tudo um pouco menos cinza. Tem dias que funciona e vejo algumas coisas interessantes e até mesmo bonitas.”

Lendo textos como este do Conjunto Vazio, vem a lembrança da frase de Mick Jagger, quando perguntado por que se decidira pelo rock: “o que mais poderia fazer um rapaz pobre na sonolenta cidade de Londres senão tocar numa banda de rock and roll?”

O fenômeno é puramente jovem? Quer dizer que tudo se deve a um fator etário? A confirmação  somente valoriza os mapas afetivos desenhados pelos jovens que aderiram ao anarquismo estético e político. E que pagam o preço pelas suas escolhas. A pressão jovem sobre as mudanças da sociedade tem sido uma constante desde a década de 60 do século XX.

Maurizio Lazaratto e Antonio Negri (2001) discutem as transformações porque passam o trabalho, a comunicação social, as formas de vida e a produção da subjetividade, mostrando o papel da juventude nesse processo. E como força do “não-trabalho” numa sociedade em que o trabalho torna-se predominantemente imaterial, tenho em mente que a juventude assume a tarefa de contribuir para a  renovação desse General Intellect, de que falam os autores a partir de Marx. A diferença, em relação às outras fases do capitalismo, incluindo as anteriores a este, tem a ver com a entrada dos jovens no mecanismo da produção. As forças de conservação e reprodução das sociedades podiam coagir o ímpeto renovador de uma possível tentativa de mudança. Havia um mero caráter de sazonalidade. O que vai modificar completamente esse quadro, a partir dos anos 60, será a liberação de uma nova força, não mais vinculada ao trabalho, mas ao mesmo tempo inserida nos novos modos de produção (capitalismo cognitivo). Daí a assimilação ser, novamente, um fator mais sutil e, também, mais perverso.

Lazaratto e Negri falam do “tornar-se revolucionário dos sujeitos” no sentido de uma  “revolta contra o controle e a reapropriação da máquina de comunicação” (como mecanismo de formação social), que teria sua contrapartida na exigência de uma “liberação da subjetividade que se forma no interior próprio das máquinas da comunicação”.

Esse exercício tem sido a tônica dos movimentos e coletivos jovens no mundo globalizado, seja nas periferias ou nos grandes centros, até porque tudo já é centro-periferia. Há uma constante ligação entre estética e política nessa reapropriação das máquinas de comunicação, que passam a ser, na verdade, um processo de formação de subjetividades autônomas e críticas. Quem compreende isso pode perceber a importância, para dar um exemplo, da criação de políticas públicas para a juventude que contemplem os aspectos liberadores das conexões entre arte, cultura e ativismo.

Abro um breve parêntese para uma discussão que se coloca em pauta: os grupos mais anarquistas considerariam a participação em ações com investimentos públicos uma traição de suas causas? Seria uma nova forma mais perversa de controle social? Independente da resposta, que será sempre nas suas expressões mais singulares, uma coisa é certa: o acesso às formas de financiamento público e a participação em programas culturais não-amestradores, devem ser vistos também sob a ótica de uma política de cultura que inclua a juventude. 

Linhas do tempo

As ações do coletivo Conjunto Vazio se relacionam às vertentes contemporâneas da arte que se misturam com o  ativismo político. É todo um ressurgimento dos movimentos e ações que apareceram nos anos 60, principalmente nos EUA, intitulados, inicialmente de happenings. Na década de 70 surgiu outra vertente, denominada por um dos seus criadores, o artista e teórico da performance, Richard Schechner, de environmental theater. Num dos trechos do manifesto, eles diziam que o performer deveria, necessariamente, saber que poderia ser preso. O ativismo estético e político dos anos 60 veio também na trilha da luta pelos direitos civis nos EUA, incluindo o feminismo e a questão negra. Os protestos contra a intervenção dos EUA no Vietnã, o alistamento militar, foram alguns dos momentos dessa luta. O acontecimento – happening –  não foi apenas uma palavra, mas uma nova forma de estar no mundo e agir nele. Percebia-se que, para além dos modos históricos de criação e circulação da arte, tomava importância o evento, no seu caráter efêmero, e volta para a vida cotidiana, na sua abertura para a imanência.  Desde os monges budistas que se incineravam nas esquinas de Nova York com gasolina,  em estado de meditação, num protesto contra a guerra, até as passeatas e paradas, intervenções artísticas etc. Tudo pertence à ordem do evento.

E tudo passa a ser objeto de crítica e desejo de transformação. Maio de 68 veio em seguida. Uma revolução no comportamento, na dança, no teatro, nas artes plásticas e na música e, principalmente, a invenção de um novo meio, desterritorializante ao extremo: o happening. Política e libido se implicavam de um modo nunca visto.

Nos anos 80 de século 20 houve um refluxo de todo esse  movimento, no seu aspecto mais contundente e político. O capitalismo retira os recursos que sobravam (para alguns, uma estratégia para enfrentar a ameaça comunista no mundo dito “civilizado”, pois em outros locais já era apoio às ditaduras mais sanguinárias), estrangulando as vias de acesso à sustentabilidade. As criações e atitudes, por sua vez, começam a se esgotar, quando a improvisação se esfarela, sem conseguir a revitalização necessária. Foi o espontaneismo que levou ao esgotamento da experimentação ou foi a falta de continuidade e investimentos que sufocaram o movimento nascente?

De todo o jeito, a famosa frase de Lennon sobre os Beatles virou a definição de um tempo:  o sonho acabou.  No Brasil, Gilberto Gil cantava, “o sonho acabou/mas quem não dormiu no sleepping-bag nem sequer sonhou”.  Esgota-se a criação coletiva e descobre-se, infiltrada nesta, autoritarismos escusos. O happening passa a ser visto de modo preconceituoso: faltaria a ele a competência e a técnica, podendo ser tudo e nada ao mesmo tempo. Isso porque, com a retração do dinheiro disponível (choque do petróleo, as políticas de Thatcher e Reagan), o mercado cultural se impõe de modo seletivo,  tornando-se mais elitista, exigindo competência espetacular para os possíveis retornos de prestígio e dinheiro.

Paralelo a isso, prolifera na década de 80 (mas já apontando na década de 70)  a geração da mídia, provocando o ressurgimento da experimentação, agora sob outra ótica, não sem ironia, através da performance art. A performance multimídia, depois, intermídia, não mais se apresenta como uma ação antimercado. Ao contrário, tornou-se parte deste novo cenário,  tanto como um novo gênero de arte quanto como um espaço de experimentação das linguagens artísticas, provocando também misturas nas outras artes, tornando as fronteiras menos determinada

No final dessa linha, com o punk tornando-se inócuo e um novo ciclo de triunfalismo capitalista vigorando (queda do muro de Berlin, derrocada o socialismo real, insuficiência das vias alternativas de sobrevivência), tudo parecia ser um marasmo quanto à emergência das mobilizações sociais. Porém, toda essa “calma” é somente um lado da coisa, pois a violência urbana multiplica-se  (a morte cada vez maior de jovens nas periferias das grandes cidades), sem falar nas guerras. E com a continuidade da exploração do trabalho sem representação de classe, num contexto de desemprego universal, a tendência era o conformismo total. Porém, surgem os movimentos antiglobalização dos anos 90 e as ruas são tomadas, novamente, de uma fúria imensa contra as vitórias capitalistas. E algo novo surge nisso também: a mistura de segmentos, grupos étnicos e de opção sexual, novos punks, grupos de ocupação etc. Não mais uma consciência de classe, mas um senso de multidão.  Novas zonas de experimentação aparecem, trazendo a insatisfação com o discurso estético e político em vigor, assim como com a noção de identidade e representação (vide, por exemplo, o post sobre teatro político contemporâneo, na visão de Hans-Thies Lehmann). A desobediência civil torna-se uma via de fato e, em ligações muito próximas com a arte, enquanto a internet possibilita uma abertura imensa, favorecendo  o compartilhamento, a provocação e convocação dessas novas modalidades de sensibilidade artística e de visão crítica e irônica da vida em comum. Uma nova configuração do espaço público e do espaço pessoal se impõe. E não se pode ignorar, também, a importância do campo teórico pós-estruturalista (Derrida, Lyotard, Foucault,  Deleuze e Guattari e outros), que passa a trazer novo aporte para as questões da subjetividade, da linguagem e da economia da libido.

Todo esse contexto favorece o surgimento de uma estética como atitude, ou de uma atitude como proposição estética.

Perspectivas e algumas perguntas

Conjunto Vazio está em movimento. E como esse não pode ser previsto, não sabemos ainda quais os vínculos desejantes que irão produzir e como se lidam com as armadilhas que se colocam no caminho. Como, por exemplo, uma possível reterritorialização mais dura num segmento fechado, completamente codificado.

Porém, não se pode conceber um coletivo desse naipe, de conexões anarquistas, como um organismo em desenvolvimento linear e progressivo. Os coletivos de criação e intervenção são nômades e efêmeros. O que não diminui sua eficácia. Apenas diferem de outras formações artísticas mais territorializadas (como os grupos de teatro, por exemplo – vide texto sobre o tema).

Pergunta-se, além disso, de que modo real e concreto o coletivo se organiza. Por exemplo: se há uma liderança que permanecem agregando novos elementos, estes sim passageiros, ou se esse núcleo comporta variações e ligações outras capazes de modificar seu cerne etc.

Pode-se questionar, ainda, se a conexão entre política e estética será mantida, e em que patamar, quando eles se tornarem efetivamente profissionais. Pretendem sobreviver das ações estéticas e políticas? Ou serão apenas um efeito geracional?

A discussão e os estudos mais recentessobre os investimentos públicos na área da cultura apontam para a necessidade de contemplar preferencialmente, mediante os fundos, as ações que não visam lucro, deixando o mecenato para a indústria cultural. Outras discussões mostram que tais recursos são, na verdade, produtos sociais que deveriam ser redistribuídos pra gerar não só maior distribuição da riqueza, mas também para fomentar uma cultura não submetida aos fins comerciais. Nesse plano, o que pensam os coletivos anarquistas quanto ao acesso às verbas públicas?

E mais outra, dessa vez na esteira de Zizek (veja o post  Resistir é capitular?): deixar somente às corporações artísticas a decisão de definir o que pode ou não ser investido (já que são elas que participam organizadamente das comissões e conselhos) não é abrir mão de um direito à própria capacidade de modificar o mundo?

Mais referências –

Sites sobre intervenções urbanas e arte-cidade:

Obscena

Poro – intervenção urbana – BH

Projeto ArteCidade – SP

Bibliografia –

LAZARATTO, Maurizio e NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. Introdução de Giuseppe Cocco; tradução de Mônica Jesus. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

4 respostas em “Entre estética e política: O Conjunto Vazio”

Prezado Garrocho,

Agradecemos a resenha sobre o [conjuntovazio]. A descrição é interessante e, mais ainda, as questões que você levanta. A questão que julgamos mais relevante diz respeito ao motivo que nos leva a escolher, na maioria das vezes, a “evasão”. E porque escolhemos (quando não “fugimos” das territorializações) lidar de um modo crítico (por vezes com procedimentos estéticos como a ironia) com as territorialidades que nos propõe. Em suma, por que a recusa à institucionalização? Esse problema não é só nosso. Pretendo responder de um modo sucinto.

O ponto é que sempre fomos sensíveis ao modo como os discursos e as práticas radicais são traduzidos dentro de contextos onde eles se tornam ineficazes. Reconhecemos o fato que o capitalismo parece ser um sistema impermeável a críticas e como isso acontece em todos os níveis (desejo, trabalho, consumo, linguagem, etc.): de teorias que entram nas universidades ao preço da anulação de suas consequências políticas até práticas horizontais e anti-hierarquicas de grupos autônomos que se tornam modelos de organização para chefes de recursos humanos. Há uma ostensiva retradução dos discursos e das práticas críticas dentro de contextos onde eles deixam de ser críticos.

Não conhecemos esse texto do Slavoj Zizek, mas acreditamos que uma postura que não coincide com a dele é a da evasão como estratégia de se manter puro. Algo como dizer: “já que tudo é cooptado, então não fazemos mais nada”. Esse tipo de fuga é o contrário também da nossa postura. Mas (não vejo como não concordar) as boas possibilidades de engajamento crítico no nosso cenário estão para ser criadas. Então o que achamos importante nesse momento não é ter respostas prontas e sim problemas bem definidos. O problema então é: como tornar a crítica efetiva? Como tornar possível algo além do atual estado de coisas?

Não achamos que faça sentido se opor de antemão ao uso do financiamento estatal. Mas, por outro lado, a questão não está bem colocada nos termos: ou vocês morrem de fome ou institucionalizam as suas práticas? Ou vocês não participam das decisões estatais ou vocês não constroem outro mundo? Parece-nos, antes de tudo, que é preciso ter cuidado com essas escolhas (por exemplo, terrorismo ou EUA?) porque elas pressupõem muito.

[…]’s

Prezados (as) do […]

Agradeço pelo retorno (tão rápido) ao post acima.

Um retorno que abre mais possibilidades para entender, acompanhar e se inspirar com práticas-pensamento como as do Conjunto Vazio.
Destaco uma frase pela sua contundência e importância: “Há uma ostensiva retradução dos discursos e das práticas críticas dentro de contextos onde eles deixam de ser críticos.”

Esse parece ser aquele lugar onde as coisas se dobram e se desdobram. Me explico: tanto pode ser o lugar da contaminação criativa, da reverberação e das trocas, quanto dessa assimilação que torna tais práticas completamente inofensivas. Deleuze alertava numa de suas conferências para o fato de que não há lugar fixo, ou, melhor, desterritorialização sem reterritorialização. Por exemplo: de um movimento evolucionário poderia surgir um devir fascista e vice-versa. O primeiro é o que assistimos ao longo da história. O segundo, estamos para entender e perceber…
Por isso, coletivos como o Conjunto Vazio podem ser compreendidos nesse exercício constante que Deleuze e Guattari chamam de reterritorializar-se na desterritorialização.

Outro destaque para o meu caderno: “Então o que achamos importante nesse momento não é ter respostas prontas e sim problemas bem definidos. O problema então é: como tornar a crítica efetiva?”

E no final, retomo o assunto dos financiamentos. Entendo que o recurso é público. E como tal, deve ser devolvido à sociedade. De que modo e para quem? Sabemos que algumas corporações artísticas, assim como sindicatos, entendem que o Estado deve simplesmente repassar as verbas para os setores profissionais já consagrados. Via de regra, escolhidos por eles mesmos! Acredito, então, que podemos ter “ilhas” para a operação de recursos midiáticos, de produções etc. que não visem somente a produção de mercado.

A questão, obviamente, não é a do Estado financiar a ação política. E nem a opção: morrer de fome ou institucionalizar. Aliás, este tem sido um problema para muitos praticantes da Arte da Performance: criar uma associação não seria decretar a morte de um processo de criação que é a ponta de desterritorialização da arte? Concordo plenamente e diria mais: a performance já teria morrido para chegar a tanto.

Mas não estamos num limiar? Por que artistas da performance não podem receber recursos públicos, já que este dinheiro lhes foi tirado, digamos assim? Na Alemanha existem ilhas de edição que são públicas. Assim como existem bibliotecas públicas, não deveriam existir programas que poderiam envolver a revitalização de áreas degradadas através de ações artísticas? Em São Paulo já temos isso. Porém, a área da performance é a que menos recebe recursos. Aliás, a que não recebe. Temos encontrado, antes, artistas que seguem os parâmetros da capitalismo atual: desmaterializam os meios, alugam artistas pobres ou alunos para executar a performance de sua autoria, em espaços institucionalizados de arte contemporânea.

Acho que estou insistindo num ponto ainda obscuro. Mas acho que a questão foi mal colocada: não se trata de participar de decisões estatais. E entendo bem o que vocês estão trazendo: há que ocupar as brechas, perverter sentidos previamente codificados, devolver o compartilhamento ao presente, de onde ele foi usurpado. E isso não pode ser definido por alguma instituição, quanto mais pelo Estado.

Quanto a Zizek, o que ele tem argumentado, segundo me parece, é que é preciso tomar o poder. Daí sua oposição às práticas micropolíticas. No link do texto, discuti isso num momento.

Vamos ver se conseguimos mais clareza.

Um grande abraço

De fato, você está correto quando se questiona “por que artistas da performance não podem receber recursos públicos, já que este dinheiro lhes foi tirado”. O problema é que “institucionalizar-se” significa muitas vezes “furtar-se ao conflito” (ser como uma “bela alma” ou ter um pensamento que não faz mal a ninguém) e, nesse sentido, essa não é a nossa posição. Mas, por outro lado, “não institucionalizar-se” também pode ser uma estratégia para “furtar-se ao conflito” (por exemplo, uma nova espécie de “escapismo hippie”). Mais uma vez, é preciso saber o que está em questão em cada caso. Estamos de olhos abertos!

Obrigado pelo post e continuemos provocando ressonâncias!

[…]’s

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.