31 de março de 1964. Eu tinha 10 anos de idade e brincava na rua com meus amigos. Ouvimos as sirenes e corremos para ver os carros de polícia subindo em alta velocidade a Rua do Ouro, em Belo Horizonte. Eles iam em direção ao Convento dos Dominicanos. Diziam que eles escondiam comunistas lá dentro.
Com o tempo vieram as aulas de Moral de Cívica. O regime militar tentava se perpetuar. Queriam porque queriam formar uma geração anticomunista, obediente e ufanista. Veio o milagre econômico. E assim que crescemos um pouco, o conhecimento das torturas e assassinatos cometidos pelos militares e policiais, com a conivência de muitos políticos e parte da sociedade.
Vi os protestos dos estudantes. Quando saia da escola, batalhões de policiais militares espalhados pela Avenida Afonso Pena. E diziam: vamos embora, porque vai ser violento. Alguns setores da sociedade ainda resistiram pelas vias públicas até 1968. Porém, com o estrangulamento de qualquer via de expressão não oficial (censura aos jornais, prisões nos atos públicos etc.), muitos passaram para a clandestinidade. E veio 1968.
A razão era o medo. Na escola, desconfiávamos de qualquer professor. Quando um de nós se arriscava a opiniões ou críticas de cunho social e político, outro nos alertava: cuidado!
Lembro-me de um documento horroroso, publicado nos jornais ainda no governo Médici., aquele ditador que ficava nos estádios com o radinho de pilha grudado na orelha, acompanhando os jogos nos domingos de tarde, enquanto sob a surdez provocada pelos gritos das torcidas, presos políticos eram torturados até a morte. Pois bem, o documento era de um general, que expunha uma visão do Brasil e da sociedade, baseada no medo, na repressão e numa espécie de vigilância eterna de todos sobre todos. Li e não consegui dormir. A sensação era de que o mundo, a partir dali, nunca mais poderia acolher a alegria de viver.
Alguns jornais e revistas traziam, entretanto, uma espécie de resistência moral e intelectual: O Pasquim, Opinião, Jornal de Fato etc. E, junto a estes, aqueles que celebravam uma cultura alternativa: o movimento hippie, a contracultura e o desbunde: Bondinho, Rolling Stones, O Vapor Barato etc. Para as esquerdas, uma alienação e uma fuga. Ao contrário do mundo todo, contagiado pelo Maio de 68, onde as esquerdas, o existencialismo e a liberação andavam juntos, no Brasil isso era heresia. Para o regime, tanto pior: Gil e Caetano, que traduziam com outros, no Tropicalismo, o renascimento do corpo e da alma brasileiros, foram enviados para o exílio. Glauber Rocha e José Celso na Europa. O que eles dizem? Onde estão? É o que perguntávamos enquanto líamos os boletins clandestinos e mimeografados do Molipo (Movimento de Libertação Popular).
Passou. Veio a redemocratização. E com ela alguns dos males que proliferavam nos porões, salões e cofres do regime militar, como a corrupção. Mas vieram também os movimentos de mobilização, as agendas sociais etc. Temos, hoje, uma presidenta da República que foi uma guerrilheira torturada pelos militares: Dilma Rousseff.
O regime militar conseguiu impor uma Anistia favorável aos seus agentes, que os absolveria dos crimes cometidos. E já que não obtiveram êxito em implantar um capitalismo fascista e tupiniquim, alguns agora tentam evitar qualquer avaliação crítica do que aconteceu. Dizem que devemos esquecer nossos mortos. E pior, querem guardar 31 de março de 1964 como um marco cívico! Isso fica pode ficar por conta de desejos quase mórbidos, mas impedir o esclarecimento de um período de nossa história, essa é que não.
1964 foi o ano em que o Brasil entrou para um dos piores períodos de sua história. E aqueles que responderam pelo Estado, naquele período, devem dizer como e de que modo muitos dos presos políticos foram mortos e onde estão seus corpos. Está claro, por muitas informações disponíveis, que muitos dos guerrilheiros e guerrilheiras do Araguaia foram assassinados depois de rendidos. Alguns foram obrigados a cavar sua própria cova e morreram dentro dela, de joelhos. Isso tem de ser esclarecido. Alguns tentam chamar isso de “vingança”. Esquece-se, entretanto, que se trata antes do eterno retorno do reprimido.
Então, é chegada a hora da verdade. Queremos saber.
Referências
– O inatual: é urgente produzir memória. Por Murilo Duarte Costa Côrrea, in A navalha de Dali
– Retomando a campanha pelo desarquivamento do Brasil. Por Niara de Oliveira, numa blogagem coletiva, in Pimenta com Limão.
– Necessidade de saber. Por Camilo Fabiano. In O Pensador Selvagem, Dispersões, Delírios e Divagações.
– Decreto cria grupo de trabalho para instituir Comissão Nacional da Verdade
7 respostas em “31 de março: a hora da verdade no aniversário do golpe militar”
Caro Luiz Carlos,
Muito bom seu texto. Comenta-lo no 1º de abril, “verdadeira” data do golpe não é prazer. É tristeza. Tenho muitos amigos que passaram por isso, digo amigos pois sou bem mais novo, nasci no início dos oitenta.
Esconder sempre é mais perigoso, e é um absurdo e um atentado à humanidade esta nossa anistia. Mas é o eterno retorno da “cordialidade brasileira”, incompreendido conceito do Sérgio Buarque de Hollanda.
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eu quero é botar meu bloco na rua,sergio sampaio