O neo-materialismo de Manuel DeLanda

Exponho trechos de uma entrevista em que o filósofo e artista mexicano, Manuel DeLanda, radicado nos Estados Unidos desde 1975, aborda o que ele chama de neo-materialismo. O conceito de neo-maerialismo de DeLanda é interessante porque modifica concepções sobre o tema já um pouco desgastado e preso às concepções marxistas.

Delanda teve uma fase voltada para o cinema experimental e, mais recentemente, tem trazido, também, importantes contribuições no campo da filosofia e das ciências sociais, tecendo relações entre filosofia e ciência, envolvendo teoria do caos, complexidade, sistemas auto-organizados, inteligência artificial, economia etc. Seus textos trazem a influência direta de outro pensador, Gilles Deleuze. Em tempo: Deleuze e Guattari, por exemplo, falam de uma materialidade energética e expressiva (vide Mil Platôs).

Faço uma tradução livre do inglês, de trechos da entrevista, concedida a Konrad Becker e Miss M. em Virtual Futures:

“Obviamente, eu coloco a palavra “neo” para distinguir do materialismo marxista. A única coisa boa que o marxismo nos deu foi seu materialismo, a idéia de que é necessário explicar a ocorrência das coisa sem apelar para Deus, sem apelar para as essências platônicas, sem apelar para qualquer coisa transcendente. Obviamente que os marxistas, desde que eles compraram a dialética Hegeliana, não são definitivamente verdadeiros materialistas, pois a dialética não é algo deste mundo. Lênin, mesmo que eu deteste as coisas que ele fez, se opôs aos filósofos idealistas, para os quais tudo o que existe é fruto de nossa percepção. Ao dizer que existe uma exterioridade do mundo, sendo necessário levar isso em conta, dizemos que nem tudo é informação, que nem tudo é idéia, que nem tudo é armazenamento cerebral. Que existe algo concreto a ser considerado.

Eu chamo isso de neo-materialismo e que é, de certo modo, uma filosofia antiga, mas que é nova quando, incorporando teorias de auto-organização, matéria e energia por si mesmas sem humanos e sem vida, são capazes de gerar ordem espontaneamente.

(…)

Neo-materialismo significa o conhecimento de que nós temos negligenciado a matéria por um longo tempo, num percurso que remonta a Aristóteles. Aristóteles já havia separado a causa formal da causa material em sua classificação das causas. Essa classificação sedimentou-se na filosofia Ocidental e expandiu-se pelo século 20.

Tudo isso remonta aos Gregos, para os quais a matéria era uma espécie de receptáculo inerte para as formas e os humanos viriam dessas formas que eram impostas ao recipiente inerte. Isso tem certa origem nas classes e castas, porque, voltando aos gregos, o ferreiro, o cara que trabalhava com a matéria, vivia fora da cidade, gastando todo o seu dia diante do fogo, lidando com metais, e o que é mais importante, jamais vindo à cidade para usar a palavra. Assim, os cidadãos gregos não confiavam num ferreiro: “Ele não fala. Ele não vem aqui discutir”. Escravos ou ex-escravos e trabalhadores manuais, alguns eram trabalhadores de artesanato – sejam mulheres na cozinha ou ferreiros trabalhando com metais ou artistas populares criando objetos – todos eram considerados como atividade secundária, de uma atividade inferior. A atividade intelectual, ao contrário, esta era considerada real, que é o ato de lidar com os conceitos.

Neo-materialismo significa revelar o sentimento que nos leva a negligenciar pessoas por um longo tempo, descobrindo que existe um modo de conhecimento muito mais interessante, relativo a habilidade de lidar com a matéria – na cozinha, na oficina do ferreiro, na oficina de tapeçaria. Relacionar uma estoque mental de representações e conceitos é interessante, também, mas isso é mais interessante quando vem de um conhecimento direto e sensual da matéria”.

Referências:

Site com informações e textos de Manuel DeLanda na biografia compilada por Tom Tyler

A Thousand Years of Nonlinear History Zone Books (September 18, 2000)

A New Philosophy of Society: Assemblage Theory And Social ComplexityContinuum International Publishing Group (November

War in the Age of Intelligent MachinesZone Books (December 2006, 1991)

Intensive Science & Virtual Philosophy Continuum International Publishing Group; New Ed edition (May 2005)

Veja e escute as aulas de DeLanda no Youtube

DELEUZE, Gilles e GUATTARRI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Volume 1. Tradução deAurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995a.

______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.2 Tradução de Aurélio
Guerra e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995b.
______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 3. Tradução de
Aurélio Guerra Neto et. alii. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 4. Tradução de Suely
Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997a.
______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 5. Tradução de Peter
Pál Pelbart e Janice Caiafa – São Paulo: Editora 34, 1997b.