Serras da Desordem, de Andrea Tonacci (2006), está nos circuitos de cinema. Uma obra do diretor do já clássico “Bang Bang” (1970), um filme essencial do cinema marginal, ou mais propriamente, como queria Jairo Ferreira, cinema de invenção.
Leonardo Mecchi, na Revista Cinética aponta para a “mistura singular entre o registro documental e ficcional, a utilização dos próprios personagens na reencenação de sua história (ecos tardios de Robert Flaherty?), os planos-seqüência dilatados no registro da vida primitiva, as seqüências de montagem e sobreposições de imagens, tudo colabora para uma experiência de imersão nesse registro audiovisual.”
Tonacci ficou fora do Brasil por muitos anos e esteve filmando para as comunidades indígenas dos EUA. Fica evidente, em Serras da Desordem, seu olhar etinográfico. Mais do que isso, o filme traz as forças do cinema-linguagem de Tonacci. Ele não se prende a um discurso de retratista, antes fabricando, na indistinção entre ficção-documentário, a realidade própria do cinema. O território que o filme define nos coloca dentro, mais uma vez, nas trilhas que produzem o real, no sentido de capturar os momentos de extratificação: expropriação de vidas e significados, de riquezas e qualidades. O tempo todo, cortam trilhos e estradas, surgem cercas e desmatamentos, um indíviduo escapa e é recapturado incessantemente. Aqui, a arte não é um retrato do social, mas implicação de matéria e expressão.
Prestem atenção nos olhares da câmera de Tonacci nas seqüências em que Carapiru reencontra seu povo: são esses detalhes que escrevem as cartografias natureza/sociedade, apresentando nossos impasses. Não são imagens que representam esses impasses, mas que os expõem. No final, só posso dizer que preciso rever este filme contundente: um estudo de composição.