Já se disse que as palavras não são as coisas. Pergunto-me, então, como as palavras deixam de ser meras referências às coisas e estas possam se esquivar do destino usual que é o de não falar.
Palavras e coisas não tem donos. Assim como os percorrentes sentidos que as unem e as separam. De modo que os encontros não estão determinados e nem as correspondências fixadas.
Entretanto, sempre surgem os que se autoproclamam genuínos representantes das palavras, das coisas e das conexões entre elas, exibindo os títulos de propriedade, ou subitamente desembarcando armados e vestidos em praias nuas, para logo celebrar vaticínios e submeter esplendores selvagens.
Para alguns e algumas, palavras e coisas realizam secretas núpcias. São estranhos murmúrios tropeçados numa coreografia de desatinos afinados ao léu. De modo que aparecem coisas-palavra, palavras-coisa e, ainda, palavras-valise. As palavras e coisas sempre tiveram, para estes e estas, poderes de vida e de morte: podem queimar, curar, instaurar suspensões, encantar, silenciar…
Onde, de repente, ocorre de não mais haver palavras, restando somente coisas, seja por fraturas expostas, seja por quietudes desprovidas de adjetivos, ou pelo que, por estas e outras, vem de fora e assim adentra para depois ir embora. Igualmente, haveria palavras sem coisas, como mantras, sentidos desgarrados, fugindo por quais caminhos não se sabe.
Entre palavras e coisas, tais amantes secretos não se arvoram a proprietários e tampouco se julgam usuários – esta categoria tão recente de quem não tem nada mas é eterno devedor. Quando muito, habitantes do provisório, são exímios e magníficos ladrões.
2 respostas em “Palavras e coisas”
Maravilha, Garrocho. Saudades de seus textos.
Saudades de você também Davi. Volto e meia tenho notícias suas do Yoga Kundalini. Volte sempre.