Vou lhe contar uma história. Sobre o que chamo de gesto e jeito de corpo.
Foi num dia em que eu estava muito triste e preocupado. Um pardal depenado, se ajeitando no fio quase desencapado de uma pauta de monotonia. Pois que me faltavam horizontes. Não sabia como iria sobreviver.
A rua quase deserta de uma tarde de sábado, de um bairro distante dos que eu costumava passar e morar. O ônibus demorava muito. E eu ali, sozinho e acabrunhado. Foi então que apareceu um jovem. E que de mim se aproximou com cautela. Parecia que ele tentava decifrar um enigma.
– Cara, eu te conheço!
– Me conhece? De onde?
– Eu trabalhava como carregador de caixas num supermercado. Você era meu herói.
– Como assim?
– Você entrava no supermercado meio correndo, meio dançando, sempre alegre, sem camisa, peito nu… Com uma calça vermelha, cabelos enormes. E sumia logo, para voltar do mesmo jeito outro dia.
– Ah…
– Eu te admirava muito. Aquilo era muito diferente de tudo. Eu queria ser assim, como você.
– (…)
– Mas você mudou. Nem te reconheci. Você não é mais aquele cara…
– (…)
Olhei para mim. Ou tentei olhar. Minha camisa polo desgastada, meus cabelos cortados… Era isso? Não, não era só isso. Meu corpo estava cansado, apesar de ainda um pouco jovem. Cansado de não ver mais o adiante. Pois que o perto era aperto e nó na garganta. Não era só uma questão de plumagens. Era muito mais de armas que me faltavam. Falo das minhas artes: do gesto e do jeito de corpo.
O ônibus veio. Despedi do rapaz. E quando ia subindo ele gritou de lá:
– Já sei! Você não mudou não! Você está camuflado!
Sacudi de leve a fuligem das minhas tristezas. O ônibus me embalava e eu não tinha ideia do que me seria.
Outros gestos e outros jeitos de corpo viriam, horizontes reinventados. É necessário saquear alegrias, tomando-as em meio aos escombros e aos ossos do dia a dia.