Entrei num ônibus diametral, desses que atravessam Belo Horizonte de ponto a ponto. Era cedinho e me deparei com um homem e sua viola num dos primeiros bancos. Do outro lado do corredor, um homem com um vozeirão impressionante, porém muito musical, falava com o motorista.
Antes que eu passasse na roleta, o ônibus faz uma parada no sinal vermelho. E o que acontece? O violeiro, uma pessoa indescritível, começa a tocar alguma coisa. Ao mesmo tempo, o homem sinaliza ao motorista, com malícia, sobre o outro motorista de um ônibus que acaba de chegar, bem perto. Eles começam a rir do colega e o homem grita pela janela, naquela sua sonoridade bruta e musical:
– Ele tá perguntando cadê a camisola que você rasgou!
O motorista do ônibus ao lado, abrindo um canivete, responde:
– Vem aqui palhaço, que eu lhe mostro!
Dito assim, parece briga. Mas não é. A coisa é tão sutil que a resposta parece ameaçadora (“vem aqui palhaço…), mas com um tom ao mesmo tempo distanciado – caracterizando afinal uma grande brincadeira. É tudo de uma sonoridade musical e de uma cultura de bom humor. No entanto, não deixa de ter uma ponta de perigo – num átimo, sabem todos, tudo pode virar muito sério. Entretanto prevalece um concerto de rudes delicadezas. As vozes, quase aos gritos, vão se misturando ao som da viola.
Os dois ônibus arrancam. Já são, agora, pouco mais de oito horas da manhã e o violeiro começa a cantar também. Tudo isso se mistura ao barulho dos motores, na sua voragem matinal.
O violeiro tocava e cantava música sertaneja. E de um modo que não se ouve por aí. Aquilo vinha de outro lugar. E eu fiquei suspenso, entre sons de motores, a conversa aos gritos do motorista com o passageiro, além daquele violeiro cantador e deslocado de tudo.
Uma festa para os sentidos.
E o violeiro, de onde vinha? Para onde ia? E ele, parando de tocar e cantar, olha para o lado e suspira:
– Que saudade de minha terra!
Queria saber mais sobre ele, mas percebi que o ônibus entrara numa pista onde seria impossível descer. O próximo ponto ficava muito longe dali. Pergunto ao trocador se poderia parar e ele me diz que era tarde, mas falaria com o motorista. Este grita lá da frente:
– Vai lá e prepara para descer, que os carros vão buzinar atrás de mim!
E parou, subitamente. Agradeci, surpreendido pela sua generosidade e flexibilidade em meio a um mundo com tanta pressa e tantas normas. Coisa de segundos, pois os carros já buzinavam atrás, com pressa.
O ônibus foi embora. E levou junto histórias e sons. Era tudo música.
Referências –
Versão modificada que foi originalmente publicada no Overmundo