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Filosofia Geral

A máquina capitalista em Deleuze e Guattari, por Lapoujade

Imagem: capa do livro: n-1 edições

“O capitalismo não nasce da dispersão dos fluxos mas, pelo contrário, de sua conjunção. Sob sua forma elementar, o capitalismo só surge com o encontro de dois fluxos independentes: ‘de um lado, o trabalhador desterritorializado, devindo trabalhador livre e nu, tendo para vender sua força de trabalho; do outro, o dinheiro descodificado, devindo capital e capaz de compra-la'(1).

Considerados separadamente, cada um desses dois fatores não faz surgir o capitalismo; é sua conjunção numa relação diferencial que permite a concretização permanente do capitalismo.(2). A máquina capitalista nasce da relação diferencial entre trabalho e capital (da qual o capitalista e o trabalhador sãos as funções derivadas).(3). Mas essa primeira relação é inseparável de uma segunda, que torna mais explícito todo o cinismo da operação.

Trata-se da relação diferencial constitutiva do lucro na medida em que introduz uma dualidade incomensurável entre duas formas de dinheiro: do lado do capital, a moeda de crédito ou de financiamento, moeda abstrata ou desmonetizada cuja convertibilidade é apenas de princípio; do lado do trabalhador, a moeda de pagamento que ‘entra no bolso do assalariado’, concretizada como moeda de troca

Disso decorre todo um novo modo de distribuição dos direitos e das potências sociais que não passa mais por códigos: ‘Num caso, impotentes signos monetários de valor de troca, um fluxo de meios de pagamento relativo aos bens de consumo e aos valores de uso, uma relação biunívoca entre a moeda e uma gama imposta de produtos9’a que eu tenho direito, o que me cabe, é meu…’); no outro, signos de potência do capital, fluxos de financiamento, um sistema de coeficientes diferenciais que dá testemunho de uma força prospectiva ou de uma avaliação a longo prazo, não realizável hic et nunc.’ (4). Os fluxos se descodificam, cada um por sua conta, uns depois dos outros, se veem privados de fundamento, mas o capitalismo só surge com a descodificação generalizada dos fluxos. quando tais fluxos se encontram e entram em relações diferenciais que fazem o conjunto do campo social cair num ‘produzir por produzir’, cujo produto é apropriado pelo novo corpo pleno: o dinheiro como capital.”

David Lapoujade, Deleuze, os movimentos aberrantes. Tradução de Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: N-1 edições, 2015.

Notas (de Lepoujade):

  1. Deleuze e Guattari, O Anti-édipo, p. 298.
  2. Ibid, p. 330. ‘Dx e dy nada são independentemente da sua relação, que determina um como pura qualidade de fluxo de trabalho, e o outro como pura qualidade do fluxo do capital’. Cf. também, p. 298.
  3. Ibid, p. 349.
  4. Ibid, p. 303-304. Sãos os bancos que articulam entre si essas duas formas de dinheiro. ‘De certa maneira, é o banco que sustenta todo o sistema”, p. 305.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

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