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Os 50 anos do golpe militar e o general de dedo em riste

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Escada de acesso às celas do extinto DOI-CODI, centro de tortura da ditadura militar em SP
Por: Roney Domingos – Globo.com

 

O general da reserva, Leônidas Pires Gonçalves, continua de dedo em riste. Mesmo depois das últimas evidências, incluindo depoimento de militares comprovando torturas e assassinatos.  Ele continua dizendo que o golpe de 1964 foi uma “revolução democrática”.  Antes da Comissão da Verdade ser instaurada, negava de modo contundente as denúncias. Agora, numa entrevista recente à Folha de São Paulo, o general passa a fazer a defesa do assassinato, quando realizado pelo Exército:

“O militar cumpre ordens. Contra bandido, você não pode fazer outra coisa. Na hora da guerra, é matar. Não somos pacifistas na hora da guerra. O soldado é o cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência. Por que não quero o Exército na rua fazendo o papel de polícia? Somos bélicos, não sabemos botar algema ou usar cassetete, sabemos dar tiro.”

Tal argumento demonstra que não há Lei. E tampouco qualquer evidência, prova ou testemunho. E o general continua de dedo em riste – algumas vezes intimidando o interlocutor:  “Já vi que sua posição é meio esquisita”.

Então, general, se o soldado cumpre ordens, quem deu as ordens de sequestrar, torturar, matar e ocultar cadáveres? 

Quando deu uma entrevista ao Globo News, há mais tempo, o general Leônidas disse que o jornalista Herzog era um fraco. E que, diferentemente de outros militantes mais aguerridos e preparados, não teria suportado a pressão e, por isso, teria se enforcado. É fácil acusar um morto de ser fraco diante dos seus algozes! Grande bravura, general!

Entretanto, agora já temos comprovações: Herzog foi torturado até a morte. O caso Rubens Paiva já está praticamente esclarecido quanto à farsa montada pela repressão. E muitos outros cadáveres começam perturbar o sono de alguns militares que estiveram à frente ou à sombra da repressão.

De dedo em riste, na entrevista ao Globo News, o general não admitia a existência de torturas e assassinatos: seria tudo invenção. Porém, agora ele os justifica. Era guerra, afirma. Argumento banal, para não dizer estúpido. Que se desmonta facilmente com poucas perguntas:

– Por que o regime militar, uma vez capturando opositores, não os levou a julgamento, preferindo executá-los?

– Por que o regime militar armou emboscada, sequestrou pessoas e as matou? E por que deu sumiço em cadáveres?

– É justo, mesmo numa guerra, eliminar rendidos?

Pois bem, ele fala agora em excessos. De que não pode controlar todo mundo. Que houve uns quatro ou cinco mortos, que não pode se responsabilizar por tudo.

Não há meios de mudar a opinião de um atavismos de tal ordem. Ele continuará de dedo em riste e, eventualmente, apontando para os seus interlocutores, ameaçando-os.

O problema é que não instalamos, ainda, tribunais para julgar, com direito à ampla defesa, os responsáveis pelos crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de cadáveres. Por isso o general pode ficar de dedo em riste, vez por outra, apontando contra os interlocutores.

Não basta ter conhecimento do que ocorreu. Sim, isso é importante. Mas a sociedade tem que julgar os que torturam, mataram e ocultaram cadáveres. Queremos apenas que eles, como agentes do Estado, sejam responsabilizados por agirem fora da Lei e dos direitos humanos. Queremos, General Leônidas, que o Exército diga o que fizeram com os mortos e onde eles estão.

Se a sociedade brasileira tivesse a coragem de enfrentar o passado, fazendo justiça, o general ainda estaria de dedo em riste?

O nosso grito é um só: 1964 nunca mais!  Porém, há um ranço autoritário que não se apaga da noite para o dia. As heranças do autoritarismo estão aí: na polícia militarizada e agressiva contra os pobres e negros, na difusa intolerância à diferença, no tratamento autoritário que os governantes têm dados às manifestações neste país, nas tentativas de criar estados de exceção.

A disputa não é somente pelos mortos. Mas pela memória que irá compor a trajetória dos vivos. De dedo em riste, o general comanda uma orquestra descarrilhada. Está desfeita a carga moral totalizadora, que sustentava os crimes políticos do regime militar: a luta do mundo ocidental cristão contra o comunismo ateu. Seu gesto, no entanto, é o de salvar os valores do autoritarismo. De sobra, tenta vender a ideia falida do Exército como Poder Moderador, acima das instituições, à margem da Lei.

 Que o general chame de canalhas os que lutaram por um mundo melhor – pelos direitos dos nossos índios, pela emancipação da mulher, pela reforma agrária e tudo o mais. Mais uma vez, um ato sem qualquer mérito: a grande maioria morreu assassinada, como poderia se defender? Afinal, ele pode se expressar livremente – com as ressalvas de ser um oficial da reserva. Porém, como não há julgamento para os crimes da ditadura, eles se sentem impunes.

O dedo em riste, em meio à orquestra descarrilhada que resultou o militarismo no governo, procura invocar e ao mesmo tempo preservar os fantasmas do mundo que produziu 1964.  Gesto em vão. Além disso, as caixas desse triste comboio começam a se abrir. Porém, constatamos que ainda não sabemos o que fizeram com os nossos mortos. O silêncio dos agentes do Estado, que estiveram no comando e/ou na execução da repressão, somente se justifica porque não estão nos tribunais.  E podem, por isso, dizer isso ou aquilo. São apenas afrontas morais. Mas que de fato denunciam o cinismo de nossa sociedade perante um dos períodos mais terríveis da história. Muito do ódio expresso contra esquerdistas e programas sociais, junto à exaltação do governo militar, se deve à impunidade e ao desconhecimento.

Cinquenta anos se passaram. É hora de saber a verdade. É hora de responsabilizar.

Referências:

Os militares nunca foram intrusos na história brasileira, diz general. Entrevista a Lucas Ferraz. Folha de São Paulo – 28.04.2014.

Entrevista do general da reserva Leônidas Pires ao Globo News.

Coronel admite participação em tortura e morte nos porões. Por O Globo.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

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