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Travessia de Isaura

Deu-se hoje, às 13:45 horas, o passamento de Isaura Castellões de Almeida, minha mãe, aos 85 anos.  Para ela um barco de flores brancas, insenso e mantras.

Isaura me deixou, entre outras coisas, o gosto pela leitura. Vim do interior para a grande  cidade com seis anos, tendo que me forçar à alfabetização quando o mundo era puro encanto e linhas de fuga. Outro dia tropecei na mesa em que, com sofrimento, encarei a primeira cartilha. E até hoje tropeço nas letras, apesar da paixão pela palavra-imagem.  Isaura, percebendo que a minha vida escolar estava difícil,  deu-me livros que fizeram a estranha e impossível conexão  (para um menino que corria livre pelo mundo)  entre os sentidos do texto e das trilhas-afetos-texturas.

Entre os livros: Simbad, o marujo, as fábulas mais incríveis e As aventuas de Tom Sawer. Neste, a infância em sua altivez. Só quem leu é quem sabe disso.

A vida é um concerto de desacertos. Os últimos dias  foram difíceis, de aprendizados árduos, tanto para mim quanto para ela. Passamos os dois uma noite acordados, em meio à turbulência do chamamento, quando ainda acreditava que  sobreviveria. Na noite seguinte, meu irmão, que a acompanhava, me telefona e me diz do agravamento.  Hoje, no CTI, tive ainda o tempo de lhe dedicar mantras e massagear seus pés naquela sala fria de aparelhos. Poucas horas depois  ela se despede.

Para Isaura, todo o carinho e a coragem para essa travessia, na letra e música de Gilberto Gil e João Donato:

Beira do mar
Todo mar é um
Começo do caminhar
Pra dentro do fundo azul

A despedida do bardo da vida será marcada, simbolicamente, pelo enterro de seu corpo  no Parque Bosque da Esperança, dia 13.07, às 15 horas.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

12 respostas em “Travessia de Isaura”

Garrocho,
Muito lindo o seu texto! Vai daqui de longe minhas boas energias para você, sua família e sua mãe.
Quem sabe um dia o projeto do Tom Sauer sai do papel em homenagem a essa senhora de nome tão bonito?
Um abraço e força pra vocês,
Cibele

Garrocho, meus mais sinceros sentimentos e o registro de uma coincidência. Esta semana estou trabalhando num novo livro pra crianças, desta vez com texto e ilustrações, cujo personagem principal se chama Isaura. Em breve te mostro, pra quem sabe alegrar um pouquinho que seja o coração. Abraços com muito afeto, Cláudia.

Cláudia,

Agradeço muito pela lembrança. Estamos todos passando… Enquanto isso, algo pode aconter… Um risco, uma expressão, o encontro com algo novo. Um sentimento. Uma vida.

Abraços

Cibele,

Sim, quem sabe Tom Sawer, que somos todos nós que fizemos um dia do mundo um quintal e do quintal um mundo, possa sair do papel…

Abraços

Caro Professor , gostaria de dizer palavras bonitas, mas pra que , não é mesmo? Elas só servem pra representar o que a gente não consegue dizer…sabe como é ; não é fácil encontrar a palavra certa na hora certa.
Madrugada – eu, procurando palavras e imagens, que me alimentam em seus blogs , e me deparo com a noticia. Que Deus te abençoe !
Como você disse estamos todos passando, mas Dói ! e as veses como dói.
Um abraço Alexander Lisboa.

Garrocho,

dizem que a morte se inicia pelos pés … e vc a ajudou a dar os primeiros passos como um filho amoroso.
terezinha acaba de me dar a notícia e lamentamos não ter sabido antes.

meu abraço

Cacá

Garrocho sinto muito, principalmente por ficar sabendo da passagem da sua mãe só agora e ainda não ter te dado um abraço reconfortante. Sinta-se fortemente abraçado com muito carinho e na esperança de um encotro breve. Maravilhoso o amor transmitido em seu texto. Tudo de bom, saúde, sorte e luz.
Com carinho
Daniela

Garrocho,
impossível não dizer: uma lágrima corre em mim agora – para dentro e para fora. Uma lembrança forte: no nascimento do seu filho, meu tão amado sobrinho Arthur, também uma canção que me soa um mantra desde então, ao embalo da sua voz denovo pai: Todo dia o sol levanta e a gente canta o sol de todo dia. Como foi lindo ver alguém nascendo assim. E agora o seu texto, de homenagem à letra, à vida, à morte e à mãe. Leitura e leito. Desse amor que dói frente a passagem inevitável do que perdura, ainda do amor. De novo uma canção: Beira do mar. Todo mar é um. Começo do caminhar. Pra dentro do fundo azul. Tive, agora que pontuar assim. Terei, que para sempre, dividir assim, e lembrar de pedaços que complementarei com um “lálálálá” melodioso e baixinho, até um dia conseguir cantá-la por inteiro. E terei.
É isto meu amigo, quando muito, na vida podemos eleger algumas canções e dedicá-las. Quando quase nada, algumas palavras. E nao desistir de inventá-las. As suas, tão dignas. E belas.
Grande abraço, Cris

Tio Luiz. Muito bonito seu blog.
Estamos tentando adaptarmo-nos à ausência de vó Isaura. Ao mesmo tempo, procurando confortarmo-nos com seu espírito de alegria, coragem, otimismo e amizade nas horas difíceis.
A separação tem sido dolorosa e a saudade será eterna.
Se foi ela quem lhe despertou o gosto pela leitura, foi você quem me despertou a mesma prática. Entendo como isso é importante.
Abraços de seu sobrinho, Geninha, Rubens, Fernando e Ricardo.

Querido Guilherme,

Fico feliz pela sua visita ao blog.
Lembro-me de cada livro que ganhei de presente. Cada vez que admirava uma capa, que abria e passava as páginas… E outras e muitas outras lembranças.
Abraços

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