Deu-se hoje, às 13:45 horas, o passamento de Isaura Castellões de Almeida, minha mãe, aos 85 anos. Para ela um barco de flores brancas, insenso e mantras.
Isaura me deixou, entre outras coisas, o gosto pela leitura. Vim do interior para a grande cidade com seis anos, tendo que me forçar à alfabetização quando o mundo era puro encanto e linhas de fuga. Outro dia tropecei na mesa em que, com sofrimento, encarei a primeira cartilha. E até hoje tropeço nas letras, apesar da paixão pela palavra-imagem. Isaura, percebendo que a minha vida escolar estava difícil, deu-me livros que fizeram a estranha e impossível conexão (para um menino que corria livre pelo mundo) entre os sentidos do texto e das trilhas-afetos-texturas.
Entre os livros: Simbad, o marujo, as fábulas mais incríveis e As aventuas de Tom Sawer. Neste, a infância em sua altivez. Só quem leu é quem sabe disso.
A vida é um concerto de desacertos. Os últimos dias foram difíceis, de aprendizados árduos, tanto para mim quanto para ela. Passamos os dois uma noite acordados, em meio à turbulência do chamamento, quando ainda acreditava que sobreviveria. Na noite seguinte, meu irmão, que a acompanhava, me telefona e me diz do agravamento. Hoje, no CTI, tive ainda o tempo de lhe dedicar mantras e massagear seus pés naquela sala fria de aparelhos. Poucas horas depois ela se despede.
Para Isaura, todo o carinho e a coragem para essa travessia, na letra e música de Gilberto Gil e João Donato:
Beira do mar
Todo mar é um
Começo do caminhar
Pra dentro do fundo azul
A despedida do bardo da vida será marcada, simbolicamente, pelo enterro de seu corpo no Parque Bosque da Esperança, dia 13.07, às 15 horas.