Do terror e do medo em 1964 à comemoração, em 2019, do regime que perseguiu, torturou e matou
Passei parte da minha infância, adolescência e juventude sob a sombra temida do regime de ditatura militar, deflagrada nos seus termos em 1 de Abril de 1964, mas registrada como ocorrendo em 31 de Março (para não ser associada ao dia da mentira). O atual (des)governo adiantou-se para emitir uma ordem do dia que foi lida nos quartéis do país como comemoração e exaltação da intervenção na vida civil do país.
Marx dizia que a história acontece pela primeira vez como tragédia e a segunda como farsa . Diria, este que vos escreve, que 1964 foi pode ser o elemento trágico, e a volta dos militares ao poder em 2019, desta vez pela via eleitoral, em que comemoraram o 31 de março de 1964 como um movimento que “salvou a democracia”, uma farsa.
Entretanto, cabe aqui os parênteses de uma advertência quanto ao uso do nome “tragédia”. A mídia e o uso impensado o associam a acidentes terríveis, desgraças naturais ou provocadas. Penso que a expressão de Marx não se situa nesse plano equivocado – ele falava de Napoleão como o caso trágico e seu sobrinho Luis Napoleão, posteriormente, como a farsa. Contrário desse uso diluído, penso que Marx via o trágico enquanto forças desmesuradas – permito-me a essa visão, que não são estranhas ao humano, já que para ele os homens fazem a história, porém não a fazem como querem simplesmente. Já o segundo acontecimento, a repetição, surge como farsa. Trata-se de um comentário sarcástico em que não se pretende, acredito, universalizar e ver nos movimentos cíclicos uma lei.
O golpe de 1964 foi trágico? Diria que sim com algumas reservas, para perder a força do conceito tão caro a este que voz escreve, diria que sim. Pois que não tanto pela violência que se abateu sobre a vida democrática do país – o que nos levaria a pensar em acidente ruim, em desgraça. Pois que o trágico é exaltação da vida no embate de forças desveladas pelo ímpeto dionisíaco, por onde a derrocada é conhecimento terrível. Se pensamos nos discurso de João Goulart, nas vésperas do golpe, veria aí toda uma via trágica que o filme de Glauber Terra em Transe, orquestrou com virulência barroca. Sem poder aprofundar nesse tema, volto-me para o 31 de março de 1964 e em 2019.
Para justificar o golpe militar de 1964 fabricou-se na embaixada dos EUA a narrativa de que o governo João Goulart era comunista e pretendia instalar uma república socialista-sindicalista no Brasil. Imprensa, empresariado e uma ampla classe média conservadora embasaram e promoveram essa narrativa. Uma perseguição violenta se deu, aumentando ao passar dos anos: censura, prisões, torturas e assassinatos cometidos pelos agentes do Estado.