Tive o prazer de almoçar com Ailton Krenak, cacique, líder da causa indígena e ambiental, coordenador da União das Nações Indígenas (conselho que reúne 180 tribos) e assessor do Governo de Minas Gerais para as questões indígenas. Túlio Marques, militante da causa ambiental e cineasta, foi quem me apresentou Ailton Krenak.
Fígura impar, diga-se de passagem. E com posses de excelente humor e vivacidade.
Enquanto almoçavamos um prato macrobiótico, Ailton Krenak foi traçando seu pensamento nômade. Um pensamento que não busca referências, estando sempre a caminho. E com um brilho nos olhos que vai ao encontro dos olhos de seu interlocutor, Ailton exercita uma fala leve e certeira.
Relatei a Ailton Krenak o meu primeiro contato com povos indígenas, aos cinco anos de idade, quando vi uma tribo, possivelmente de Maxacalis, entrando em Teófilo Otoni com uma série de movimentos e danças. Imagem muito forte que ainda toca minhas retinas, principalmente quando me deparei com um menino índio da minha idade, sendo que, durante uma fração de tempo, nós nos olhamos parados.
Ailton fez a cartografia dessa imagem: traçou planos, cartas e abriu um universo até então desconhecido para mim: “Eles não estavam entrando na cidade para dançar ou festejar, mas deveriam estar a caminho para o sul da Bahia, realizando um plano mágico e no percurso atravessavam instituições, cidades, alojamentos…”
E por aí Ailton Krenak foi me iniciando – posso dizer assim – num pensamento de reencantamento do concreto. Coisas leves, sem propósito, mas que vão se insinuando como um vento que vem de longe. Contou mais sobre os Maxacalis, povo que admira muito, principalmente porque mantêm sua língua original, apesar de estarem em permanente contato com o que ele chama de “pior da natureza e do humano”, ou seja, a destruição dos recursos naturais de que Minas Gerais, na região do Vale do Rio Doce, que ele considera sem parâmetros com o resto do país e, também, com a violência e a exploração humana que caracterizam a região.
No meio da conversa, Ailton acolheu e soltou um pensamento sobre a não-referencialidade e a dispersão do eu: “A gente imagina que é referência de alguma coisa. Uma bobagem (risos). Basta a pessoa sumir ou morrer que o cotidiano continua intocado…”
O nosso líder Krenak é uma pessoa que exercita um pensamento que espreita o momento, valoriza o encontro e dispersa esforços de auto-importância, sem deixar de estar atento ao entorno. Nos despedimos com o desejo de um futuro encontro.
Valeu, Ailton.
Referências:
Blog do Cacique Ailton Krenak
Rede Povos da Floresta
Entrevista: Receber sonhos. Versão eletrônica de Teoria e Debate da Fundação Perseu Abramo.
Julho-Agosto de 1989.
NOVAES, Adauto org. A outra margem do ocidente. Cia das Letras.