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Intervenção urbana: violência, arrogância e despreparo da Guarda Municipal

Leandro Lara e Sitaram Costa em Olho da Rua

 

As ruas têm dono

Não bastasse a última postagem, intitulada  de A criminalização da cultura das ruas, em Belo Horizonte, temos de denunciar o modo como a Guarda Municipal trata artistas e pessoas comuns (pois, como poderão ver, é disso que se trata afinal). Os performadores da intervenção urbana Olho da Rua foram tratados com arrogância e violência, como relato a seguir.

Uma coisa é certa: as ruas têm dono. E todo cuidado é pouco, pois ele costuma primeiro bater, para depois perguntar.

Desterritorializações no asfalto e calçadas

A intervenção urbana Olho da Rua opera numa interface entre teatro físico e performance. Três aspectos principais podem ser destacados: a ressignificação dos espaços públicos, os estados corporais e o diálogo possível com as pessoas, objetos, presenças e arquitetura urbana. Utilizamos elementos de composição no instante e imagens-partituras trazidas para serem desterritorializadas no asfalto e calçadas. Exploramos uma zona de indeterminação entre o “corpo artista” e o “corpo comum” do transeunte. A expressão “olho da rua” é o motivo e a guia da ação: tanto no sentido dos “olhares da rua”, de seus múltiplos e rizomáticos enfoques, quanto no sentido de ser atirado na rua. 

Agressão da Guarda Municipal

Foi durante uma intervenção no Transborda – Festival de Artes Transversais, no dia 14.09.2011, que se deu a agressão a um dos performadores. Já na finalização, depois de hora e meia de extenuante diálogo com a cidade – e o plano do chão, no qual se atiram sem parar – chegávamos à Praça da Estação. Os dois performadores-criadores, Leandro Lara e Sitaram Costa estavam exauridos e bem sujos. A roupa social de início estava completamente degradada. E foi nesse momento que Sitaram apoiou-se a dez centímetros acima do chão, no gradil de uma árvore. Dois guardas municipais rapidamente entraram em ação: um deles foi torcendo o braço de Sitaram nas costas e ao mesmo tempo empurrando sua cabeça contra a grade.

Nosso colega já estava sendo “grampeado”, como se diz, quando iniciamos uma tentativa de diálogo com o guarda. Percebi logo o risco: enquadramento no crime de “desacato a autoridade”. Poderíamos ser presos sem mais nem menos. Era necessário, portanto, desarmar essa armadilha. Fomos com calma e respeito, porém, questionando a conduta do guarda.

Ao perceber o entorno e do que se tratava, o guarda municipal disse que estava “orientando” o cidadão. E como enfatizamos a atitude violenta e desnecessária, ele responde dizendo que era um “procedimento padrão”.

Ocorre que eu já havia me instruído com um policial militar, que fazia ronda no local. E este me colocou a par do despreparo da abordagem da Guarda municipal. Já não corria o risco de ser preso à revelia. Voltei à carga, por não concordar mesmo com a atitude desrespeitosa para com um cidadão. Independente de ser um artista, como ele poderia tratar uma pessoa com sobre a arrogância e violência, a título de “orientação”? O guarda, então, passa a modificar o discurso. Afirmou que não havia torcido o braço do nosso colega. E como sustentei o que havia de fato ocorrido, ele diz: – É sua versão!

Epílogo

Não foi a primeira vez que a Guarda Municipal demonstrou despreparo e arrogância. No Festival de Performance, um mês antes, pudemos presenciar comportamento idêntico, apesar de não ter chegado às últimas consequências. No meio de uma de suas ações, quando se jogavam repetidas vezes no chão, os performadores foram surpreendidos por um guarda municipal que gritava com eles de modo ameaçador: – O que é isso? O que está acontecendo? Vamos, anda, diz logo! O que é isso?

Ao perceber a presença de pessoas que acompanhavam a ação, e como os performadores não respondiam, continuando a atuar silenciosos e sem qualquer atitude de ameaça ou reatividade, o guarda resolveu ir embora.

Ao que parece, a Guarda Municipal está despreparada, nervosa e instruída para a violência. Principalmente agora que eles carregam pistolas de choque elétrico. Fica a pergunta: será que teremos de contratar um advogado para acompanhar nossas intervenções urbanas?

Referências –

– Olho da Rua – imagens – Performance: Leandro Lara e Sitaram Costa – Coordenação: Luiz C. Garrocho

 


Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

3 respostas em “Intervenção urbana: violência, arrogância e despreparo da Guarda Municipal”

Muito interessante este depoimento. O modus operandi da guarda municipal citado no texto, segue o mesmo padrão das abordagens feitas pela gerência de regulação urbana, gerência de ação social e policia militar que eu venho presenciando na praça Sete nos últimos dois anos.

O que tenho percebido é o mal uso da “fé pública” (para quem não sabe, fé pública é uma prerrogativa legal,que atribui maior valor a versão do funcionario público diante a versão do cidadão comum perante um juiz). A fé pública na atual gestão vem sendo utilizada como ferramenta de coação, muitas vezes sendo levado a cabo um b.o. na delegacia, porém, na grande maioria dos casos eles retiram a queixa logo em seguida, mas lhe avisam que podem reabrir o caso nos próximos seis meses. Uma ferramenta de chantagem e intimidação.

Não creio de modo algum que este ato tenha sido ocasionado pelo despreparo da guarda municipal, acredito que é um modus operandi institucionalizado por normativas internas

Lembremos que a praça da estação é uma zona de conflito, obviamente que ali os guardas são orientados a agirem com maior rigidez e não sabendo interpretar a diferença entre depredação e performance, acabam por exercitar os “pequenos poderzinhos”, oprimindo aos outros, assim como é oprimido por seus superiores.

Essa realidade vivemos cotidianamente na praça Sete.

Rafael,

Agradeço sua visita e observações.

Importante essa sua dica, principalmente para os que estão na tentativa de resgate da cultura das ruas, de reinvenção do espaço público como constituição do comum: a “fé pública” sendo utilizada como intimidação pelas autoridades. Em Mil Platôs, no meio de vendaval de criações filosóficas, Deleuze e Guattari lançam a pergunta: você tomou cuidado?

Abraços

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