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A tomada das ruas no Brasil: que reivindicação é esta?

IrinaDenali
Marcha em São Paulo: imagem de Irina Denali (http://via.me/-ct387fs)

 

 

Em 17 de junho de 2013, em plena Copa das Federações, as principais cidades do Brasil foram tomadas por manifestações. O motivo disparador foi o protesto contra o aumento do valor cobrado pelo transporte público. Os protestos começaram antes em São Paulo, semanas atrás. Após violenta repressão da Polícia Militar em São Paulo, o movimento tomou outras capitais e cidades. E em quase todos os lugares, o protesto é também contra os gastos governamentais com a Copa do Mundo (“Copa para quem?”), particularmente com a Fifa, que mantém o país em Estado de Sítio não declarado: proibição de manifestações, de eventos promovidos pelas comunidades (como festas juninas etc.). Eu diria que há um sentimento de revolta contra as autoridades que se curvam ao mando dos negócios e do capital. Cabe lembrar que a cidade de Porto Alegre teve, há mais tempo, uma revolta intensa contra o reajuste das tarifas.

O que mais chama a atenção, em algumas análises, é o fato de não haver hierarquias nesses movimentos, comando central ou motivação única. Os partidos políticos não controlam e nem constituem instâncias de representação, apesar de muitos tentarem capturar, em vão, o sentimento da multidão.

Mas, afinal, quem são os manifestantes. Cito um texto do blog do militante-ativista-sociólogo Bruno Cava, no blog Quadrado dos Loucos, intitulado Nós somos os vinte centavos, que retrata as pessoas à sua volta, numa manifestação: 

“Eu não conhecia quase ninguém, um bom sinal. Estava contente em, depois de um tempo, sentir uma marcha com tantos rostos diferentes daqueles que você costuma topar no circuito militante. Vi muitos jovens na faixa dos 20 anos, e também secundaristas, adolescentes encapuzados de quinze, dezesseis anos. Um número grande de mulheres, possivelmente a maioria. A fantasia da situação só podia embriagar quem se habituou a frequentar protestos com cem ou duzentas pessoas, geralmente as mesmas. Naquela quinta à noite, estava acontecendo. Afinal! Fica difícil avaliar agora, se é por causa da Turquia, do Passe Livre, da oposição aos governos, de uma cauda longa de coletivos, redes e grupos espessando forças, ou de uma insatisfação estrutural difusa, porém imensa, finalmente condensada no nível dos corpos. Em qualquer caso, o resultado era um primeiro tumulto à altura para confrontar o crime do poder do novo Rio.”

 

E Bruno Cava expressa o que seria esse estado de protesto e de reivindicação, que tem no aumento das passagens de transporte público o seu motivo, mas que muito a ultrapassa:

“Essa juventude possivelmente perceba como já estão entregando um mundo pronto pra ela, onde ela não tenha muito o que fazer de diferente. Um mundo renderizado, paisagens plásticas do novo Brasil, construídas sobre a violência e a exploração, e onde a juventude tenha simplesmente que se adaptar. Adaptar ou fracassar. É preciso preparar-se obsessivamente para o mercado de trabalho, qualificar-se para a competitividade sem limites do crescimento econômico. Ser bem sucedido, custe o que custar. A crise aqui se desdobra como “crise do crescimento”, uma crise da subjetividade, de ter de participar de uma realidade que não construiu, nem com a qual se identifique, uma realidade insuportavelmente cínica. Hoje, a juventude não tem nenhum direito, nasce já abarrotada de deveres. Deve galgar um status para comprar apartamento bem localizado e carro particular, ter um bom plano de saúde, previdência privada, juntar o suficiente para colocar os filhos em escola particular, e assim por diante. E se não conseguir, a culpa é sua. Se está espremida dentro de um ônibus, é porque fracassou em comprar um carro. Se está sofrendo numa fila de hospital, é porque fracassou em pagar um plano de saúde. Não se esforçou o bastante, não teve mérito: a culpa é sempre sua. Nunca de uma organização social que não somente nega os direitos mais básicos (saúde, educação, serviços decentes…), como faz cada um sentir-se individualmente culpado por isso.”

 

Termino este post com uma frase do meu amigo e parceiro de criações, um artista-ativista-filósofo , que assim se expressou ao  chegar da manifestação, nesse dia em Belo Horizonte, quando a Polícia Militar atacou com balas de borracha e bombas: “Estou bem, estou vivo e sem machucados! ”

Referências –

A imagem apareceu numa publicação no Facebook de Malu Aires.

Texto completo de Bruno Cava: Nós somos os vinte centavos.

Leia também o texto de Hugo Albuquerque em O descurvo: Barricadas, o transporte público, a polícia e tanto mais.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

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