Conversamos sobre alguns planos, relativos à configuração do pensamento teatral que o grupo coloca em cena. O coletivo de artistas intitula as apresentações de Temporada Laboratório e, segundo Leonardo Lessa, ator e um dos fundadores do Grupo, o espetáculo é uma obra em processo. Em cada espaço, o espetáculo se desfaz e se refaz. Batemos uma bola, com alguns toques e lances do tipo:
1. A definição de uma obra em processo. O que difere de uma concepção de arte como obra acabada, mesmo que aberta (ecos de Eco…) etc. No procedimento da obra em processo, não há a manutenção de um espetáculo que deve corresponder sempre ao seu projeto inicial. O não-acabamento (que não quer dizer mal acabamento) é o que define a obra.
3. O plano de caos que a encenação cria. Ele possui potências corrosivas.
5. O plano corpóreo e a visceralidade das ações.
Falei desses planos e de suas relações com o texto falado pelos atores. E da força poética de certas imagens que a encenação proporciona.
Há mais ou menos dois anos, um curador de um festival de arte e cultura de Barcelona (Espanha) fez uma visita ao Centro de Cultura Belo Horizonte, no qual eu estava à frente com uma bela equipe de trabalho. E o que ele me disse? Que Belo Horizonte era uma cidade na qual predominavam as comédias teatrais. Contestei isso. Nada contra as comédias, mas não corresponde à realidade de criação cênica da cidade. Então, ele me desafiou: – Vamos abrir um jornal! E completou: – Onde estão os grupos e as criações de que você me fala?
Foi um aperto, confesso. O momento em foco não estava nada bom, pelo menos na mídia impressa. Assistindo Medeiazonamorta, que se propõe a um espetáculo visceral, virulento e de uma poética que passa pelos planos da materialidade cênica, vejo que Belo Horizonte não é uma conformidade com a mesmice. O mesmo posso ver nos esforços dos artistas que estão criando, ao lado do Circuito Off, o quase-festival Verão Arte Contemporânea.
Ei, se liguem. Há vida inteligente em Belo Horizonte. Há artistas correndo riscos, saindo dos lugares comuns, realizando produções independentes, experimentando.
Bibliografia:
3 respostas em “Medeiazonamorta”
Oi Luiz,
Tudo bem? Você já viu a nova ferramenta do Overmundo? É o Overfeeds que permite que os blogs de cultura publiquem seus textos diretamente lá no Overmundo. Cadastre seu blog lá, pois é muito bom!
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Abraços,
Marcelo
Diz daí, Garrocho.
Assisti ao espetáculo Medeiazonamorta semana passada e gostei muito. Não vimos o mesmo trabalho, porém podemos trocar algumas figuras.
1. Achei impressionante como este tipo de espetáculo nos arremessa para dentro do que ocorre ali, naquele momento; nossa atenção se multiplica em diversos planos e, como você disse sobre a visceralidade das ações, saímos de lá modificados, em estado pós-cirúrgico – para dizer com Artaud.
2. No que se refere à narrativa, tento pensar com você quando diz dos teatros épico-dramático ou pós-dramático: senti que houve um trabalho impressionante para a valorização da materialidade das cenas, de tudo que ocorre. Há, a meu ver, uma certa autonomia do corpo – porque não das matérias cênicas – em relação às palavras, ao texto. Ora eles se confluem, ora se divergem…
Não estaríamos no plano da “imagem-percepção”(?)? Todos os espectadores vêem coisas distintas, sob perspectivas diferentes – inclusive porque várias vezes precisamos escolher o que vamos ver: ligamos os planos, os cortes, as dissonâncias, as consonâncias…
Isso dá uma liberdade incrível para o teatro!
Falei demais.
Esticamos conversa depois.
Abraço,
Davi.
Davi,
Penso por aí, por essas potencialidades.
A imagem-percepção vem de Deleuze. A imagem-ação: uma percepção que gera uma ação (lógico-causal, arrisco; a imagem-percepção: uma percepção que gera uma nova percepção que gera uma nova percepção que gera…
A imagem-ação: digito diante do monitor/som de passos atrás de mim/levanto-me e vou até a porta/volto para o monitor/novos sons de passos/meu coração dispara…
A imagem-percepção: diante do monitor/sons de passos/deito-me de costas no chão e cantarolo uma canção de ninar/sons de passos/cantarolo/sons de passos/um vento sopra as cortinas da janela/cantarolo
Tente você…
Gertrud Stein tem um poema assim:
Rose is a rose is a rose is a rose
Um abraço
Luiz Carlos