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Artes Cênicas

Um teatro de imagens sonoras e visuais

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Imagem: Sabrina Valente

Festival de Cenas Curtas, 10a edição, 2009. Participamos com um teatro de imagens sonoras e visuais. Numa zona fronteiriça, pós-morte, três pessoas encontram-se numa total inconsciência de sua situação. O lugar é tão localizado quanto vago: uma espécie de parada de transporte, com um backlight ao fundo contendo uma imagem de textura, com a expressão “tudo passa” de modo serial, atravessando o quadro. Mas o topos da encenação torna-se um deserto no qual as pessoas vagam tentando tatear seus rastros, suas lembranças, ao mesmo tempo que acionam seus egoísmos, covardias e epifanias.  São fantamas famintos errando por esse mundo. O objeto que cada um leva e a dimensão ritual são outras marcas que já vêm de trabalhos meus anteriores. Nesta cena curta, cada um leva consigo um objeto: um revólver, uma boneca enrolada com uma corda, um display de uma Pin-up. São os traços de  memórias que levam consigo nessa travessia. Estão agarrados a esses traços e voltam a cometer os mesmos atos, numa história de repetição. Assim se configura a cena Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

Uma cena, para mim, é uma paisagem em transe, um delírio de imagens, linguagem do sonho. A partir de workshops desenvolvemos uma pesquisa de história e de narrativa (que nos lembra bem Kraiser, não são a mesma coisa), buscando uma modalidade teatral de ações não causais. O desejo é de produzir paisagens sonoras e visuais, tendo a performatividade como problema central.  Além disso, a visão coreográfica da ação (o estudo do movimento), assim como a busca de uma gestualidade energética, são os elementos que fazem parte dessa busca de composição.

Colocamos em cena algumas perguntas para nós mesmos e nos exercitamos no sentido de convidar o público a habitar a duração de uma experiência performativa, visual e sonora. A dramaturgia da cena permanece, cada vez mais, um aspecto a ser explorado e estudado. Na verdade eu estava interessado nas questões ligadas à performance, ao site specific e à intervenção urbana. Mas o convite de Leandro, Iasmim e Tiago me atiçaram para participar mais uma vez do Cena Curtas, Festival no qual já apresentei Esquina dos Aflitos em 2002. Então, estavámos de volta ao palco.

O trabalho não foi escolhido para paticipar da segunda mostra.  Não há problemas nisso. É uma questão, também, da poesia que nos toca, ou não, num determinado momento. E um festival desses permite-nos avaliar essas coisas, o que sempre é muito bom. Sandro Henrique  faz uma crítica da cena no blog do Festival, com sondagens interessantes. Discute o aspecto circular da cena, o fato de explorarmos uma situação de expectadores no palco, que nada vêem passar. E volta, ao final, à questão da circularidade.

Para mim as tensões concernem aos pólos da dramaturgia da cena e da visada de um teatro corporal e de imagens.  E com a desterritorialização da história que  procuramos realizar, fazendo explodir a fábula.   A circularidade tem a ver com isso também: não há desenvolvimento por conflito. Ainda no mesmo blog do Festival há ainda  outra análise, dessa vez de Larissa de Souza, que faz entre outros comentários, a seguinte observação sobre a cena:  “pode não ter sido a que mais agradou o público, mas, em compensação, foi a que mais se arriscou”.

Em tempo: quero ver (e rever) os espetáculos que voltam para a segunda temporada. E fica aqui o convite.

Referências

A atuação de Iasmim Marques (do Curso de Arte Cênicas da UFMG), Leandro Silva (que atuou no Oficcina Multimédia) e Tiago Almeida (artista plástico e de teatro de formas animadas) e a trilha sonora de Marcelo Kraiser, parceiro também na concepção, permitiram que eu pudesse escandir, mais uma vez, essa opção de linguagem teatral.

João Silver fez o design de luz. Criou soluções muito interessantes.

Juliana Barreto concebeu os figurinos e minha filha Yara Garrocho colaborou para o esclarecimento de algumas questões coreográficas para aproveitamento do grupo.

Roteiro e visão cenográfica do grupo, com a execução desta última por conta de Tiago Almeida. Ainda tivemos a participação especial de Fernanda de Araújo, Márcio Monteiro, Carolina Soares e Gustavo de Abreu, num coro que assobiava no final de uma cena, sentado na platéia.

Agradeço também à Cia. da Farsa que nos hospedou generosamente para a realização dos ensaios. Incluo os técnicos do teatro que nos receberam com uma atenção ímpar.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

4 respostas em “Um teatro de imagens sonoras e visuais”

Gostei muito de ter fornecido as paisagens sonoras para a atuação do grupo.No comentário postado no blog, o de Larissa de Souza, ela afirma que o grupo ‘foi o que mais se arriscou’.Acho que foi mesmo um risco pois foi uma cena circular,sem humor,estranha,sem improviso.Passemos, espero que em breve, para os próximos riscos!

Marelo,

Um teatro não-dramático tem nessa circularidade uma de suas potências. Buscamos não o humor, mas o patético das situações. E a dimensão da estranheza, como você diz. Colocaria mais defasagens nessa circularidade, para que a máquina da repetição estragasse.

Sem duvidas Marcelo foi uma cena com muitos riscos.Mas o que adianta ter a potencialidade de estar em cena e não trabalhar a capacidade de fazer escolhas, incorporar acasos, gerar surpresas para si e para o espaço,e sim causar estranheza?
Obrigado por ter acreditado e nos acompanhado nesse caminho.
E parabens Garrocho… a postagem ficou otima!
abraços.

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