Teatro Pós-dramático: saiu a tradução brasileira do livro de Lehmann

A Cosac & Naif acaba de publicar a tradução brasileira do livro de Hans-Thies Lehmann (feita por Pedro Süssekind), originalmente publicado na Alemanha em 1999 (Postdramatisches Theater. Frankfurt: Verlag der Autoren, 1999).

Segundo o diretor, crítico e dramaturgo, Luis Arthur Nunes, numa resenha do site da Editora, a obra “vem preencher uma grande lacuna, na medida em que se propõe a descrever e pensar teoricamente as práticas radicais da encenação teatral das últimas décadas – de 1970 em diante. Até então, alguma coisa tinha-se escrito sobre a dramaturgia experimental contemporânea, mas pouquíssimo sobre as questões referentes à cena, suas condições de produção e formalização, bem como as implicações estéticas, políticas e filosóficas.”

Criadores, performers, pesquisadores e estudiosos que buscam informações sobre o teatro pós-dramático têm em mãos, portanto, a oportunidade de acesso direto às análises de Lehmann.

O teatro pós-dramático não deveria ser entendido, justamente, como análise de um fenômeno plural, múltiplo, heterogêneo e não como uma palavra de ordem ou mera categorização. Além disso, não quer dizer que seja uma modalidade de criação artística melhor que as outras ou que a superam.

O que o teatro pós-dramático opera, em primeira mão, é a quebra do vínculo interno entre teatro e drama. Vínculo este que foi tomado como sendo de natureza indissolúvel: como conceber um teatro sem drama?

Convido, então, à leitura da obra.

Referências:
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro ós-dramático.Tradução: Pedro Süssekind. Apresentação: Sérgio de Carvalho. São Paulo: Editora Cosac & Naif, 2007.
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Zikzira Teatro Físico: Eu vos liberto



Zikzira Teatro Físico traz um novo espetáculo: Eu vos liberto. Montado numa antigo depósito de tecidos, o 104 da Praça da Estação, em Belo Horizonte, o espetáculo abre uma zona sombria e espectral, configurando o cenário decadente de um palácio. A encenação tem por base a tragédia de Euclides, Hipólito, na qual Fedra vive o tormento de uma paixão incestuosa.

Fernanda Lippi e André Semenza, responsáveis pela criação corporal e cênica, respectivamente, continuam com a busca por um teatro físico visceral e, de certo modo, espectral. Acrescentam, para quem viu o filme As Cinzas de Deus e o espetáculo Verissimilitude, a vocalização. Em Verissimilitude, a vocalização se dava em pouquíssimos momentos, em sons inarticulados, que não remontavam a uma significação, deixando-nos num plano de sensações. Agora, o Zikzira Teatro Físico, após suas experiências com as vocalizações a partir das técnicas de Grotowski, arrisca-se no terreno de um oralidade mais explícita quanto à significação do texto.

Retomo alguns pontos. A questão do espectral: vejo que o teatro físico alimenta-se dos estados corpóreos, configurando mais espectros do que personagens dramáticos ou épicos. A figura, tão cara para uma arte narrativa e de conexões lógicas de significação, é des-figurada. Não pelo mergulho psicológico (teatro dramático moderno norte-americano, por exemplo, onde, em Longa Jornada Noite Adentro as personagens se desmancham, mas a representação está firmemente alicerçada em cena), ou mesmo épico-narrativo, com os seus enunciados discursivos diretamente para o público, mas sim porque o estados corporais e os desenhos intensivos tomam a composição cênica. Deleuze fala de uma lógica da sensação, quando aborda a pintura de Francis Bacon. Por ressonância, penso que os espectros do teatro físico, como o Zikzira desenha, aparecem primeiramente como figuras, mas são tomadas por forças desfigurantes. Deleuze diz que “em arte, tanto em pintura quanto em música, não se trata de reproduzir ou inventar formas, mas de captar forças”. Ele cita a fórmula de Klee: “não apresentar o visível, mas tornar visível”. E o que o teatro físico e pós-dramático realiza não é a figuração das personas, mas sim as forças invisíveis que atravessam os corpos.

Matteo Bonfitto faz uma distinção entre os actantes máscara, de um lado, e estado e texto, de outro. No primeiro caso, temos uma ação que informa sobre o ontem e o hoje da personagem, numa linha que Matteo Bonfitto chama de temporalização. Há uma relação de causalidade: o que o personagem faz informa sobre seu passado e cria uma tensão em relação ao seu futuro – entra-se, portanto, num plano de coerência e de lógica.

Quando, ao contrário, se entra no actante-texto ou no actante-estado, o agenciamento é outro. Nesse momento, Bonfitto diz que ocorre uma destemporalização da personagem. Aqui, diz Bonfitto, o actante espacializa-se. Ou seja, ele não se encontra consubstanciado num sujeito psicológico. Torna-se impossível encontrar ações que sejam funcionais para o desenvolvimento dramático. Não há mais meios, diz Bonfitto, que possam identificar em tal ser ficcional uma estrutura lógico-temporal. Ocorre uma dispersão do personagem – o encadeamento lógico-causal, próprio do drama, se frustra.

O elenco, com performers de várias nacionalidades (brasileira, chilena e coreana), mergulha nesse mundo espectral e nos remete às forças invisíveis. Estão comprometidos com a linha das sensações que perseguem durante todo o espetáculo. E isso é muito bonito de se ver.

Fernanda Lippi mostra, assim, que continua com sua busca por uma linha pulsional, de uma coreografia energética. Não se trata mais de dança, moderna ou contemporânea, apesar do universo que baila diante de nossos olhos. Essa é uma dança que se dá antes de modo mais intensivo e menos extensivo.

Quanto às vocalizações, em vários momentos sou afetado pela mesma viagem espectral e desfigurante das forças que tomam os corpos. Fernanda Lippi e André Semenza estão introduzindo, cada vez mais, as vocalizações nas criações cênicas do Zikzira. Tais forças sonoras resultam também de impulsos corporais, numa busca que parece partir dos ensinamentos e procedimentos de Grotowski. Eu vos liberto traz, além disso, outros planos vocais, como o cantor lírico sobre uma ponte acima dos atores.

São expressões vocais que viajam mais no plano das sensações do que das significações, o que me evoca a característica espctral do teatro físico que o Zikzira tem configurado.

No entanto, há um componente de representação na vocalização do papel de Hipólito, por exemplo, que me remete a um teatro no qual a figuração da fala é explícita e dada à significação, apesar do delírio que o plano ficcional nos arrasta. Explico: a fala em alguns teatros dramáticos ou épicos são igualmente capazes de produzir afecções poderosas, mas o aspecto representacional está lá, com a figuração (o personagem ficcional com sua história configurando uma persona no teatro dramático ou o mesmo pronunciando um discurso, apresentando um mundo, como ocorre no teatro épico).

Arrisco um pensamento: o texto épico ou dramático contém elementos de significação da ordem da figuração. Neste, as forças invisíveis estão em contato com as forças visíveis (o que é dito como confissão da personagem ou como expressão de um mundo objetivo), mas predomina o plano no qual o texto se impõe aos outros sentidos da cena (e o sentido deriva, afinal, do texto literário). Ora, Eu vos liberto busca outro plano (o das sensações) e, ao mesmo tempo, introduz o texto que traz sua carga de significação. São perguntas que me faço: o lugar do texto falado no teatro físico. O grupo Zikzira, agora introduzindo vocalizações provenientes de um texto épico/dramático, abre essa trilha de investigação.

Referências:

BONFITTO, M. O ator compositor. São Paulo: Editora Perspectiva. 2006
DELEUZE, G. Francis Bacon – Lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.2007

Imagem: André Semenza – divulgação

Zikzira Teatro Físico: novo espetáculo e novas pesquisas

A Cia Zikzira de Teatro Físico está com estréia prevista para Novembro, em Belo Horizonte. André Semenza e Fernanda Lippi, fundadores da Cia, estão há meses imersos no processo de criação do novo espetáculo. Os dois artistas estão, ao mesmo tempo, ministrando oficinas no Projeto Laboratório: Textualidades Cênicas Contemporâneas – da linha de ação Arte Expandida – experimentação nos teatros da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. A seguir, uma entrevista com Fernanda Lippi sobre os novos rumos da pesquisa da Cia.

Percebe-se, nas oficinas realizadas no Projeto Laboratório, que você está buscando, cada vez mais, uma conexão com a voz. Como você vê isso na trajetória da Cia?

O processo que a Cia vem se deparando nos últimos anos tende a nos fazer ficar, a cada dia mais atentos às vibrações que percorrem um corpo, atravessando os órgãos e servindo de instrumento para este mesmo corpo; compondo através de uma linguagem própria uma moldura para aprofundar a proposta estabelecida pelo próprio artista e aquele que o dirige. Acreditamos que ao investigarmos em corpos distintos vários estágios desta vibração, uma possibilidade de pesquisa irá se manifestar fora do corpo. Os ruídos oriundos deste corpo seriam a primeira manifestação, levando-no a outras manifestações sonoras, permeando melodias, até o aparecimento da voz.

Na busca de um corpo que se move, de um corpo que pulsa, segundo suas próprias palavras no Laboratório, como você vê o campo de desenvolvimento das técnicas de um teatro físico? Há um saber de corpo específico?

Acredito que todos aqueles que se propõem à uma escuta através do corpo, que direcionando este, à uma busca interior, através do aparecimento de uma verdadeira pulsão, este corpo terá uma necessidade de aprofundamento e busca de uma técnica que possa ser utilizada como ferramenta, a fim de alcançar um estado onde o corpo domina a mente e a sensação de liberdade possa emergir.

Mas para isso deve sim existir uma direção clara que possa propiciar o acontecimento do corpo, liberando o saber do corpo especifico e podendo assim repetir a vivência. Hoje, no Brasil, o teatro físico não possui uma única voz, a dança a mímica e o próprio teatro expressam que tudo que se move é físico e ainda mais as interdisciplinaridades, quando estas completam para criar um corpo manifestando-se através da fisicalidade.

Que fisicalidade e essa? Qual é o ponto de partida? Esse ponto de partida foi criado por uma necessidade estética? Muitas vezes, no Brasil, devido a nossa realidade, o ponto de partida de um corpo vem da necessidade externa de viabilização de uma obra. Isso muda tudo… No campo de desenvolvimento do teatro físico existem varias vertentes, e em um país como o nosso, as manifestações ocorrem de acordo com a realidade de cada região; infelizmente a formação dos nossos profissionais ainda é precária e quase escrava do sistema, mas acredito que qualquer ser humano que se propõe à uma escuta tão especial tem a possibilidade de descoberta, e o desconhecido gera muitas coisas.

E o novo espetáculo?.

Convido à todos aqueles que se interessam pelas várias facetas do ser humano e como ele pode se manifestar, carregando séculos e séculos de repetidos dramas. Sob pressão o verdadeiro caráter é revelado. Este projeto deu fruto á um longa-metragem e á um espetáculo ao vivo.

Imagem: As Cinzas de Deus – filme da Cia Zikizira Teatro Físico –

Do Teatro Pós-Dramático e das Dramaturgias Híbridas

A revista da Editora da UnB, Humanidades, publicou uma edição especial sobre o Teatro Pós-Dramático. A publicação vem em boa hora, principalmente porque o livro de Hans-Thies Lehmann, que difundiu o termo, não está, ainda, traduzido para o português. Temos, portanto, mais elementos à mão sobre esse universo das artes cênicas enquanto não sai a tradução: o teatro pós-dramático. Segundo Sílvia Fernandes, este pode ser definido como um “teatro de intensidades, forças e pulsões de presença, que não está sujeito à lógica da representação”.

Sobre o teatro pós-dramático, o número especial da revista traz os seguintes artigos:

Subversão no palco – Sílvia Fernandes

Ruptura conceitual e a influência no fazer teatral – Rosângela Patriota

A pedra de toque – Luiz Fernando RamosO ator e a gusca – Márcio Aurélio Pires de Almeida
Do texto ao contexto – Matteo BonfittoA linguagem do corpo – Soraia Maria Silva
No palco, a luz – Cibele ForjazLaços Sonoros – Lívio Tragtenberg
La fúria dels Baus e a violação do espaço cênico – Fernando Pinheiro Villar
Sinais de teatro-escola – Maria Lúcia de Souza Barros Pupo

À nossa disposição, portanto, uma série de análises que podem contribuir para a compreensão desse universo de criação que é o pós-dramático;

Em tempo: tive acesso à revista pela mão de Fernando Villar, que me deu esse belo presente, quando, no dia 16/10/07, realizou a conferência Dramaturgias Híbridas no Projeto Laboratório: Textualidades cênicas contemporâneas, projeto da linha de ação Arte Expandida experimentação nos Teatros Franciscon Nunes e Marília, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de Cultura/Diretoria de Teatros.

Villar apresentou um painel do universo de criação cênica que perpassa os campos do pós-dramático e da peformance art, que ele intitula justamente de Dramaturgias Híbridas. Ele remontou ao que chama, também, de “história da ação testemunhada pelo público”, para caracterizar o sentido de performance num sentido amplo, não específico. Essa história teve o recorte conceitual desse campo que, para ele, sempre foi excluído das histórias oficiais do teatro – e que perpassa a performance art e pós-dramático.

Num primeiro lance, ele remonta às entradas das análise sobre esse campo de criação cênica, começando pelo livro de Roselle Goldberg, primeiro livro de Performance Art, lançado nos EUA em 1979, passando por Out of Actions: between performance and the object, de Paul Shimmell, em 1999, pelas análises de Josette Feral, que se refere à “morte de uma função anárquica” (fim das vanguardas históricas) e “surgimento de um novo gênero” (com as novas vanguardas), passando por contextos históricos e artísticos, desde Pollock, Cage, o grupo japonês Gutai, por Hiroschima e Nagazaki, entre outros acontecimentos. Depois, passou a apresentação dos grupos e artistas que configuram o universo configurado na junção da análise de Lehmann do teatro pós-dramático e das manifestações da performance art.

Por fim, Villar lembra que as Dramaturgias Híbridas são questões de uma live art: “arte ao vivo, arte da manipulação do eixo tempo-espaço, arte performática, arte da ação testemunhada, assistida, compartilhada…”

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Seminário do Projeto Laboratório: textualidades cênicas contemporâneas

Promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte, através da Fundação Municipal de Cultura/Diretoria de Teatros, com curadoria de Fernando Mencarelli e Nina Caetano, o projeto Laboratório: Textualidades Cênicas Contemporâneas cumpriu sua primeira etapa, a realização de um seminário com especialistas da área, focando os teatros pós-dramáticos, a cenas hibridas, as interlinguagens e as dramaturgias da cena. A segunda etapa inicia-se com pesquisas e oficinas nos espaços do Teatro Francisco Nunes, com apresentações artísticas em novembro de 2007.

No dia 18/08, Luiz Fernando Ramos, encenador, dramaturgo, crítico e documentarista, professor da USP, falou sobre Mimese, estética e cena contemporânea. Ele começou apresentando o conceito de mímese numa perspectiva filosófica. A mímese, que difere da diegese, por ser a primeira uma narrativa direta sem mediação e a segunda uma narrativa indireta, quando alguém diz de algo para outro alguém, era tomada por Platão como imitação de uma imitação. Já que o mundo sensível é uma cópia das idéias originais, a mímese dos artistas era, portanto, uma cópia da cópia. E, por conseguinte, sem valor para a educação da juventude.

Já em Aristóteles, prossegue Luiz Fernando, o poeta – o fazedor de mundos – ocupa um lugar diverso. Em vez de ser desvalorizada, a mímese favorece o aprendizado. A catarse que ela provoca, em termos de piedade e pavor, colocaria as pessoas da cidade em contato com suas próprias realidades, diria, projetadas à sua frente. A mímese em Aristóteles tem a ver com a potência de reprodução da vida – o verossímel. E não com o conceito de adequação, como seria posta pelos neo-clássicos, no século XVII. Como tekné, a arte é uma capacidade igual a da natureza, que o poeta, portanto, domina. A mímese, surge, assim, numa ambivalência: de um lado, tomada como cópia, do outro, tomada como capacidade produtiva.

Ramos, então, passa a focar o pensamento de Kant, para o qual a arte deixa de possuir um sentido finalista, tornando-se um jogo livre entre imaginação e entendimento. Torna-se, assim, livre das regras neoclássicas, que haviam capturado a mímese como adequação com uma realidade. O conferencista passa por Wagner e Nietzsche, apontando, por fim, para o movimento anti-mimético e anti-teatral, que irá caracterizar o século 2o. Para Luiz Fernando, esse movimento será basicamente anti-teatral, no sentido de colocar em crise a representação. Artaud, por exemplo, diria que se trata não mais de repetir a vida (o que faria o conceito de mímese como imitação), mas de reinventá-la (o que poderia, sob outra visada, ter a ver com mimese como produção de vida). O que Luiz Fernando conecta imediatamente com Brecht, por outra via: o social como invenção e a cena intervém na produção dessa re-invenção.

Luiz Fernando Ramos abordou, ainda, Beckett, que seria um artista emblemático da crise da representação. Perpassa, então, por toda uma gama de artistas que questionam o estatuto da imitação, chegando a discutir A encenação que Henrique Diaz fez de A Gaivota, recentemente no Brasil (2007). Nesse espetáculo, os procedimentos de construção da personagem, que deveriam ficar de fora, fazendo parte somente do processo, entram no resultado, na cena. E, antes de tudo, influenciam na narrativa. Ou seja, tornam-se narrativa. Aqui, ocorreria, segundo Ramos, uma cena fracassada (que não se completa, numa visão positiva) aguçando a crise da representação. A mímese, entendida como potência de vida e não como adequação do objeto a uma verdade ou realidade que lhe é exterior, pode ser, nas trilhas traçadas por Luiz Fernando Ramos, um modo de ver a crise da representação.

No dia 14, seria a conferência de Fernando Villar, autor, diretor, ecenador e ator, lecionando na UnB, que falaria sobre sobre as Dramaturgias Híbridas. Infelizmente, Villar ficou impedido de vir por causa de um pequeno acidente, antes de sair de Brasília. Foi acertado, então, sua vinda no dia 10 de setembro, a fim de as pessoas possam partilhar de sua apresentação sobre o tema.

Nesse dia, o curador Fernando Mencarelli, para que as pessoas não perdessem a viagem, apresentou um vídeo sobre Tadeuzs Kantor, A Classe Morta, e um trecho de The Dead Dream of Monocleone Man, do grupo de Teatro Físico inglês, DV-8. Discutiu-se as especificidades dessas narrativas e suas relações com a análise que Lehmann faz do que ele denomina teatro pós-dramático.

Dia 15 foi a vez de Christine Greiner, que abordou a Reinvenção do Corpo no Japão do pós-guerra. Greiner exibiu imagens de quatro experiências corpóreas sobre a mulher na cena janonesa: a mulher/atriz no Teatro Nô, o homem que faz o papel de mulher no Kabuki, Hijikata com a performance intitulada A Menina e um Anime, no qual o corpo da mulher se camufla com o ambiente. Christine Greiner avança sobre a noção de impermanência na cultura japonesa, abordando especificamente a cena do pós-guerra. A recusa de Hijikata, quanto ao corpo samurai, assim como em relação ao corpo nacional e, ainda, aos modelos ocidentais, é apresentada por Greiner e discutida mais demoradamente: um corpo precário – um corpo cadáver. O contexto da cultura japonesa do pós-guerra teria, segundo Greiner, impulsionado nessa direção: o Imperador é obrigado a renunciar como ser divino e assumir sua condição humana. A idealização dos corpos que vimos no Nô e no Kabuki depara-se com outro plano corpóreo: corroído e atravessado por todo tipo de forças. Vendo a projeção em vídeo da performance de Hijikata pude sentir o que Deleuze e Guattari entendem por Corpo sem Órgãos.

O público, composto por artistas de dança, teatro, performance e outras áreas, discutiu muito, também, a modernização do Japão, a questão das identidades culturais, voltando, ainda, às informações sobre o estado da arte da cena vanguardista japonesa.

No dia 16, Houve a mesa redonda com a presença dos criadores da cena contemporânea belo-horizontina. Falaram Inês Kinke, artista plástica e criadora cênica, Ione Medeiros, do Grupo Oficcina Multimédia, Tarcísio Ramos e Gabriela Christófaro, bailarinos-criadores. A mediação foi dos curadores Fernando Mencarelli e Nina Caetano.

Ione Medeiros expos um breve histórico do Grupo Oficcina Multimédia, sua origem , sua criação nos anos 70 pelo músico Rufo Herrera, como um grupo de pesquisa da Fundação de Educação Artística, liderada esta pela musicista Berenice Menegalle. Traçou as suas influências e motivações estéticas que levaram à criação de uma cena outra: os procedimentos sincréticos (eliminação de toda informação supérflua, ilustrando-o com o desenho do Touro de Picasso), de distorção, como é o caso da caricatura, e de assimetria (exemplificando com a escultura de Alber Giacometti). Ione ainda falou da ruptura com a visão tradicional da personagem no drama teatral, apresentando, no seu lugar, festos e movimentos que ampliam o foco, além do desenvolvimento de funções práticas na cena (carregar coisas etc.), passando pela música e pelo ruído como elementos dispostos não hierarquicamente, juntamente com a imagem, o texto falado e os objetos. Trata-se, como ela disse, da criação de uma tessitura interdisciplinar.

Tarcísio e Gabriela falaram desse lugar fronteiriço entre teatro e dança, na busca por uma dramaturgia da dança. Tarcísio enfatizou as seguintes linhas de abordagem da questão: a) a dramaturgia do corpo do bailarino; b) a dramaturgia da cena; c) a da cena como pontos estruturados em conexões com os demais elementos; c) a dramaturgia de fundo, como sendo o inconsciente do espetáculo, com seus silêncios e pausas e a dramaturgia que, se não me engano, refere-se ao que está sendo feito diante do público.

Inês Link, uma artista plástica alemã que vive em Belo Horizonte, explorou sua conexão com as artes cênicas a partir das questões relativas à instalação. Sua questão ou pergunta: como o espaço pode afetar fisicamente os atores. Para ela, trata-se de saber como as materialidades influenciam os atores na criação. Ela procura convidar o público a adentrar no jogo cênico tomando, para tal, uma composição cênica que trabalha com a justaposição de realidades heterogêneas. Um pensamento de criação que passa por uma nova percepção da realidade. Além disso, Inês expõs suas pesquisas em que pensa a cidade de modo cenográfico: ocupações, instalações, percursos etc.

Laboratório é o nome desse projeto. A segunda parte vem com as oficinas de Antônio Araújo e Fernanda Lippi para os Núcleos de Criação, com apresentações artísticas em Novembro de 2007.

Para saber mais:
Sobre Buto:
Vídeos sobre performances de Hijikatta no YouTube
BOGÉA, Inês (ed.) e Luisi, Emidio (fotos) Kazuo Ohno. São Paulo: Cosac&Naify, 2002.
GREINER, Christine. Butô – Pensamento em Evolução. São Paulo: Escrituras, 1998.

BAIOCCHI, Maura. Butoh – Dança Veredas D’Alma. São Paulo: Palas Athena, 1995.

Sobre Teatro Pós-dramático:

LEHMANN, Hans-Thies. Postdramatic Theatre. New York: Routledge, 2005.
COHEN, Renato. Working in progress na cena contemporânea. São Paulo: Perspectiva, 1998.

Sobre a retomada do conceito de Mímeses:
COSTA LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade: formas das sombras. RJ: Graal Editora, 1980.