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It’s now or never (ou o enterro de Elvis), por Maurício Vasconcelos

http://www.youtube.com/watch?v=QkMVscR5YOo

Numa noite dos anos 70, em Belo Horizonte. Maurício Vasconcelos pegou umas folhas de papel, uma caneta esferográfica vermelha e escreveu um estranho poema em prosa. Foi num ato só, quase escrita automática. Escrevia e ria. Depois, nem falamos mais nisso, numa época em que era mais importante correr à rua para ver o mundo ocidental-cristão desabar. Os anos se passaram, eu perdi muitas coisas, muitos livros, muitas revistas e jornais que colecionava, um monte de fotografias que tirava. A cada mudança de casa, um mundo lá se ia embora. Curiosamente, alguns escritos não se perderam. Entre eles, dois textos desse bardo-filósofo que vive recluso no interior de Minas. Já publiquei um verso dele, sem autorização. Outro dia achei este escrito. Vale a pena ler: é uma preciosidade. Será que você percebe a mitologia que fervia na cabeça genial de um jovem, atravessada pela vidência de uma lâmina fria?

“O enterro de Elvis levou mocinhas a chorar e o desfile frente ao caixão era igual à fila de ônibus, bem maior do que às 6 horas da tarde. O que elas querem, todos os que ajudam a carregar tal peso, o esqueleto. O esquife escapuliu. Elvis cantando. A ressurreição. Não se importem se já voltam mais.  Vou até lá. Marilyn, que somos amigos de tão fiéis barbitúricos. Estamos mortos, graças a Deus. 

O acidente ocorrido entre o ônibus de Mato Dentro que se chocou com uma kombi, placa AK-2385 de Belo Horizonte, resultou em 8 mortes, das quais 4 morreram antes. O garoto que estava na kombi e sobreviveu, disse que encontrou no local do desastre um rapagão bem alto e corpulento de costeletas, que lhe disse assim: o que você está pensando sobre o comércio a ser feito de minha morte? Nada respondeu o garoto.

A namorada dizia: veja meu bem, lhe trouxe um disco de Elvis Presley. Mas a prisão do motorista que trafegava em contramão, anunciada nos jornais, deixou a pena de morte matar friamente.

Elvis escapuliu. Apartou uma briga entre garotas e os homens da perícia de trânsito esperavam absolvição. Boa noite senhores, assistam ao filme “Elvis é assim”. Nada assim: não vamos desligar a televisão.

Elvis canta: “It´s now or never” and “Heartbreak Hotel”.

Aquelas meninas não se querem. O rito fedeu. E a magia deu no susto cada carreira. As horas da madrugada, o bar vermelho e negro guardião, com um preto tocando sua viola e a menina branca de vestido crepe vermelho, dançava. Ela é prima de Elvis. Tem a boca pequenina. Essa mistura de raças, que não fugiu, descorou a mamãe, de negro se tingiu.

Bob Dylan recuou. Nunca fiquei tão triste. Elvis jamais gravou uma música minha. Não sei como ele viveu. Ou onde teria nascido. Tenesse? O jornal falou que o seu testamento, esperava, deveria ser o maior já feito no estado. Vocês se lembram do programa de Isaac Zaltman? Hoje é dia de rock? O irmão de um amigo todo dia bem febril ligava o rádio e se escutava. Elvis estava em todas, ele se lembrava.

O irmão mais velho chegava da capital e lhe aplicava o sermão. Donde já se viu, passar todo o dia ligado no rádio, escutando essa pandonga. Até que ele se formou e Elvis sumiu. Na fazenda um seu amigo ouvia Elvis escondido. Quando os visitantes chegavam, tirava o disco e punha outras melodias.

Diálogo de um filme de Elvis Presley: como podemos fazer pra arrumar mais uma grana? Não sei, talvez abrindo umas barraquinhas de cachorro quente e pizzas.

Elvis faliu? Elvis escapuliu. E o coronel, sua mulher e seus músicos? Compuseram o funeral.

Não há nada como a alça de um caixão.”

Referências –

– O texto não tinha título. Havia uma entrada, que suprimi, referente à possibilidade de publicar nas edições Mano-a-Mano, criada pelo poeta Rodrigo Leste, e que eram bem curtas, em offset e vendidas, de fato, de mão em mão pelos bares da cidade: “Mano a mano – uma página gardel/semente de rua/cordel urbano/que canta Elvis Presley “É agora ou nunca”/It´s now or never”

– O trecho que fala da fazenda, aconteceu comigo. Em algum momento eu teria dito isso para Maurício. Não sei se foi a partir disso que ele escreveu o texto.

– Veja esse post que escrevi sobre uma deambulação numa madrugada com Maurício. Observe como reaparece a cena que presenciamos: À deriva na cidade (1): na madrugada, uma estranha sala que aparece.

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

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