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Deleuze: teatro e minoria

carmelo bene
Carmelo Bene: Faust o Margherita, 1965

No texto Um manifesto de menos, dedicado a Carmelo Bene, Gilles Deleuze fala de um teatro “do devir minoritário”. Fazendo parte da publicação Sobre o teatro, com introdução de Roberto Machado (Editoar Zahar, 2010) e tradução de Ovídio de Abreu e Roberto Machado, consta ainda no volume outro escrito, O esgotado, sobre a obra de Samuel Beckett. A seguir, alguns trechos:

“Toda a questão gira em torno do fato majoritário. Porque o teatro para todos, o teatro popular, é um pouco como a democracia, ele remete a um fato majoritário. Só que esse fato é muito ambíguo. Ele supõe um estado de poder ou de dominação, não o contrário. É evidente que pode haver mais moscas e mosquitos do que homens, o Homem não deixa de constituir uma medida padrão em relação à qual os homens são necessariamente a maioria. A maioria não designa uma quantidade maior, mas antes de tudo, o padrão em relação ao qual as outras quantidades, sejam elas quais forem, serão consideradas menores. Por exemplo: as mulheres e as crianças, os negros e os indígenas etc. serão minoritários em relação ao padrão constituído pelo Homem-branco-cristão-macho-adulto-morador das cidades-americano ou eruopeu contemporâneo (Ulisses).

Mas, nesse ponto, tudo se inverte. Pois, se a maioria remete a um modelo de poder – histórico – estrutural ou os dois ao mesmo tempo -, é preciso também dizer que todo mundo é minoritário, na medida em que se desvia desse modelo. Ora, a variação contínua não seria precisamente isto, essa amplitude que não para de extrapolar, por excesso ou por falta, o limiar representativo do padrão majoritário? A variação contínua não seria o devir minoritário de todo mundo em oposição ao fato majoritário de Ninguém?”

Deleuze vai dizer, então, que o teatro assumiria uma função minoritária, antirrepresentativa – que é muito diferente de “representar um conflito”. E minoria, no caso, seria muito mais do que um estado de fato – ela designa “um devir no qual a pessoa se engaja.” Vale lembrar do que Deleuze e Guattari, em Mil Platôs, irão dizer que não há, desse modo, um devir-homem – por ser ele, o homem, majoritário. Há, sim, um devir-mulher. No caso da mulher, dizem eles,  a mulher também precisa, ela mesma, entrar num devir-mulher.

 

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

2 respostas em “Deleuze: teatro e minoria”

Tânia, agradeço pela sua visita. Volte sempre. E parabéns pelo blog Contos Rizomáticos – muito belo, com tantos escritos dedicados à Deleuze. Abraços.

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