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Agenda Juventude e Pixação (1): lançamento

Lançamento da Agenda

Foi lançada a Agenda Juventude e Pixação, num debate promovido pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, em 25 de novembro de 2011. A coordenação da Agenda e dos debates é de Cristiane Barreto, psicanalista e psicóloga. Paulo Rocha, do Conjunto Vazio, e este que vos escreve são os outros cavaleiros iniciais dessa causa. Este post revela apenas a minha opinião, não sendo necessariamente a dos outros mobilizadores e participantes.

A Agenda possui os seguintes eixos: a) a afirmatividade e positividade do pixo como expressão e percepção do urbano; b) a crítica contundente da criminalização do pixo e da juventude; c) o desejo de contribuir para a construção de políticas públicas inclusivas.

Note-se que a Agenda é apartidária. E não tem por princípio a oposição ou a concordância, a priori, a qualquer gestão de governo. No entanto, se dá o direito de discutir, criticar e responsabilizar as políticas para a juventude, particularmente para a questão do pixo. A presença de políticos “profissionais” nos encontros – pois todos nós somos políticos da vida – se deve ao interesse de cada um. Esse primeiro encontro foi apenas um desenho possível, para aquele momento. Outros momentos poderão contemplar perspectivas distintas. 

Afirmatividade e positividade da pixação

Ao contrário do que se tem divulgado e alardeado, principalmente pela mídia impressa de Belo Horizonte, o pixo possui sua afirmatividade e positividade. Todas as falas dos convidados enfatizaram isso. Ninguém nega a complexidade e os problemas que surgem com essa expressão – pois se trata sim de uma expressão. Mais ainda: o pixo como risco (nos dois sentidos da palavra) enquanto apropriação do urbano.

Na palestra de abertura para lançamento da Agenda Juventude e Pixação, o psicanalista Célio Garcia  abordou o que ele chama de “artes irregulares”:”espontâneos e instintivos, lá estão os irregulares na periferia das grandes cidades, nos arrabaldes do planeta, frequentemente ligados à tradição oral, à música hip-hop ou rap, à dança de rua.”

E ele disse também que os “rabiscos carregados, habitados por expressão plástica inusitada, inseparáveis de uma cena sem palavras, articulam grafias e ícones, com tendência a ocupar todo o espaço disponível, criando proliferação inconveniente.”

O psicanalista falou de sua experiência com jovens infratores, quando um deles havia pixado a parede de uma instituição. Logo, um clima de culpabilização  e exigência de punição se impôs. Foi então que Piero, um artista do grafismo e educador, completou a linha feita pelo menino, dizendo assim: “Dá para aproveitar!” E essa expressão passou a ser, para Célio sua pedagogia. Ele disse que, depois,  passou a adotar outra pedagogia, sem contudo abandonar totalmente aquela: o desejo da linha, como ele havia identificado em Matisse. E num debate com o filósofo Jean-Luc Nancy, Célio disse que confirmou: sim, a linha tem desejo.

Célio trouxe aquilo que tem sido sua marca: a aposta nos processos de apropriação criativa e a crítica das modalidades de culpabilização, amesquinhamento e sujeição. Em todos os lugares que eu vejo Célio falar, ele traz essa perspectiva.  Faço aqui uma breve homenagem a Célio Garcia, de quem tive a honra de ser aluno no curso de Filosofia e ter dividido uma mesa com ele nesse evento. E quando ele falava eu anotei: um pensador que busca captar as coisas em seu estado nascente, ainda inconclusas e por isso mesmo carregadas de potência.

As outras falas também enfatizaram a afirmatividade e positividade do pixo. Paulo Rocha, do Conjunto Vazio, traçou um mapa de questões: a força expressiva do pixo, seus territórios, suas linhas de fuga pela cidade, as apropriações estetizantes que acabam por minar sua força insurgente. Para ele, o pixo “borra os limites que separam arte e política”. Paulo citou Baudrillard:

“A cidade é um ‘corpo sem órgãos’, como diz Deleuze, um cruzamento de fluxos canalizados. Os pichadores se vêm como aqueles que colocam ordem territorial. Eles se territorializam decodificando espaços urbanos – uma rua, parede ou bairro vem à vida através deles, tornando-se um território coletivo novamente. Eles não se limitam ao gueto, eles exportam o gueto através de todas as artérias da cidade, eles invadem a cidade branca e revelam que ela é o verdadeiro gueto do mundo ocidental.”

(No original, o texto fala em grafitte, mas Paulo traduziu por picho, com o objetivo de trazer para o contexto de nossas cidades).

A psicanalista e psicóloga Débora Matoso, articuladora da Rede do Programa Catu (Tribunal de Justiça-MG), abordou a relação do jovem com o pixo, a estratégia política inerente à ação: “dizer que o mundo não é tão belo assim”. Lembra que, infelizmente, a Lei Federal diferencia grafite e pichação, não reconhecendo esta última como arte. Débora falou dessa “arqueologia do lugar” configurada pela pixação, sendo uma “escrita de rua” e uma  “experiência de não ter dono”.

Miguel Antunes, psicanalista e psicólogo do Programa Liberdade Assisitida-PBH, falou das travessias da adolescência à fase adulta, cheia de marcas, seja nos corpos, seja nos muros. Num momento, disse que, “quanto mais a política deseja o bem-estar da sociedade, mais empurra o sujeito ao pior”. Miguel retoma uma fala de Judht Miller, para quem não se pode domesticar a pulsão de morte.

A minha fala teve por foco a necessidade de se inverter a visão de pura negatividade a que estão sujeitos os jovens que nele se arriscam. Uma coisa é certa: o pixador está em busca de expressão e não pode ser igualado a um “bandido”, como vem ocorrendo em Belo Horizonte. Discuti ainda os equívocos do Movimento Respeito por Bh, que tem difamado a pixação e promovido a criminalização do jovem. Tracei paralelos com a política de “tolerância zero”, de Nova York, que é sem duvida inspiração desse movimento – assunto que deixarei para o próximo post. Registro, para o momento, que tudo isso se situa no patamar de uma “criminalização da cultura das ruas”, como diz Naomi Klein (Sem Logo), da financeirização das cidades etc.

Cristiane Barreto, em diversas intervenções entre as falas, trouxe preciosas percepções sobre o que estava sendo discutido ali. Lembrou que a “criminalização da juventude não é uma questão menor”. Afirmou, diante da insistência de uma representante do governo municipal na audiência, sobre a legitimidade da criminalização, que o jovem não pode ser punido e marginalizado por um modo de viver. E ela completa: “existem pixadores responsáveis”.

Participações

Uma surpresa foi a grande adesão de pessoas, entre psicólogos, psicanalistas, arte-educadores e ativistas socioculturais. Cito também a presença de representantes do poder público municipal, incluindo a Delegacia especializada em Crime Ambiental. O vereador Arnaldo Godoy (PT) também compareceu e manifestou sua preocupação com a repressão às manifestações urbanas, como o Pixo, o Duelo MCs no viaduto Santa Teresa e o movimento Soul Music.

E vamos em frente

Agradeço ao Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais por ter abrigado o lançamento da Agenda “Juventude e Pixação”. Em meio ao clima de “caça às bruxas”, de adesão sem críticas à criminalização, a entidade mostra a importância do debate e da discussão mais aprofundada. No próximo ano estaremos em outros locais, com outras perspectivas e contribuições. Lembro que no próximo post discutirei a Campanha movida contra os pixadores, intitulada “Respeito por BH”.

Encerro com uma fala de Cristiane Barreto lembrando Foucault: “cada época  fabrica os seus crimes”.

 

Mais referências –

 Juventude e Pixação serão discutidos no Conselho Regional de Psicologia-MG.

– Pixação: questões sobre arte, mercado e práxis. Por Conjunto Vazio

– Manifesto: Liberdade aos Piores de Belô. Por Conjunto Vazio

Pixo: criminalização ou política pública. Por Luiz C. Garrocho

–  Nova cruzada moral e caça às bruxas: o pixo em Belo Horizonte. Por Luiz C. Garrocho

 

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

8 respostas em “Agenda Juventude e Pixação (1): lançamento”

Ei Garrocho, muito interessante essa abordagem. Gosto também do Hal quando comenta a necessidade da “institucionalização do subversivo” para manter tudo na mais perfeita ordem …, defender a pichação é de certa forma tirá-la da marginalidade e abafar o grito. A polêmica é boa. Parece que tudo acabará mesmo na (limpeza-asséptica) da galeria e se possível com venda e fama.

Garrocho, essa foto está muito especial. A leveza das linhas cria um impacto com a “leveza” agressiva do arame… A cor da parede é muito “rajasica” (um termo da espiritualidade indú que indica ação) … uma composição, a meu ver, que inspira liberdade, uma saída por cima. E linda. O céu com nuvens cinzas dá uma perspectiva concreta de tempos atuais misturado com perspectivas de futuro…
Sugiro uma viagem pelas fotos do Martin no site “wendel”
Beijo
Paula

Paula,

Agradeço sua visita e contribuições. Sua leitura da imagem é muito interessante e me surpreende. Há muito o que ver, perceber e pensar, nesse mundo que se abre com o pixo.
Um grande abraço

Paola,
Sim, esse o risco do risco no muro, na extensão do público-privado, mas que nunca é do comum. Talvez o pixo seja essa reivindicação ou lembrança, ou ainda, invenção. Concordo com você, a polêmica é boa. Pode-se apropriar disso que é uma expressão-apropriação de quem é expropriado? Enquanto isso, as pessoas estão sendo presas em Belo Horizonte…

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