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A performance que a Polícia Militar não suportou

 

No dia 07 de setembro de 2013, as ruas de muitas cidades do país foram tomadas por diversos tipos de manifestações. Em Belo Horizonte, um grupo foi duramente reprimido pela Polícia Militar, numa demonstração abusiva de força, prendendo alguns jovens. Neste vídeo, dois ativistas colocam-se numa linha bem próxima do batalhão de choque da PM. O que eles realizam, além do desejo de se manifestar, é uma performance artística. Nesse caso, há também toda uma teatralidade que é sabiamente controlada pelos performadores. Até o ponto em que o braço armado do estado não pode mais tolerar a ação performativa e decide efetuar a prisão. O governador Anastasia é o responsável por esse clima.

Alguém dirá que não se trata de arte. Não de uma estética da obra de arte, como mostra a pesquisadora Erika Fisher-Lichte. Mas sim de uma estética do performativo. Nesta, o acontecimento toma o lugar da obra. Ou, ainda, poderíamos pensar, nas trilhas de Ileana Diéguez, pesquisadora mexicana de artes cênicas, que estamos diante de uma “teatralidade liminar” – entre ação política e estética. E não é a tal da intencionalidade artística que definiria o que é arte. Aliás, essa definição não se faz mais operativa para dar conta das poéticas contemporâneas.

Vejo na ação dos jovens tanto os traços da teatralidade quanto da performatividade. Desta última, o risco a que submetem seus corpos. Eles executam ações, expõem uma corporalidade, aproximando-se da linha em que perfila o batalhão de choque. Uma linha aparentemente segura – afinal, como diz o comentário do vido, “estão tranquilos”, não estão fazendo nada que não seja dispor de seus corpos no espaço público, sem violar qualquer lei ou direito de terceiros. E de teatralidade, porque está convoca o olhar. Nós não olhamos como se fosse apenas um embate qualquer nas ruas. Os jovens sabem que estão sendo vistos, articulam e manipulam essa visibilidade.  Cada gesto, pequeno movimento que eles executam estão não só na situação de risco real mas também nas pequenas brechas que essa tensão crescente produz. A ação deles convida o outro a ser uma testemunha.

No entanto, a Polícia Militar, vocês podem ver no vídeo, não consegue dar conta da performance. O raciocínio dessa polícia militarizada tem sido um só: “afronta”. Pois os meninos estavam experimentando esse limite, sem no entanto ultrapassar a linha de risco. A Polícia Militar mostrou que isso “era demais” demais para a corporação! Quem é que entra na periferia batendo, quebrando e atirando? Na rua, não vai ser tão diferente.

Prenderam os jovens sem qualquer flagrante. Lógico, devem ter inventado um na delegacia. O pior disso tudo, entretanto, é que uma juíza determinou que os manifestantes presos naquele fatídico “dia da Pátria” podem responder ao processo em liberdade, mas não terão direito a sair da cidade e a se manifestarem publicamente e nas redes sociais! A juíza caçou os direitos políticos e civis desses jovens!

Estamos no Estado de Sítio não declarado, mas de fato. A Polícia Militar não entendeu que se tratava de uma performance. E a juíza menos ainda. No fundo, além de não darem conta de um estado de direito, da liberdade de livre manifestação, mostram que estão com muito medo dessa onda que contagia, cada vez mais, grupos e grupos de jovens pelo país afora. Sim, é medo. E  também tentativa de manipular a opinião pública: isolando alguns “elementos”, querem com isso dizer que estão garantindo o direito da maioria à manifestação!

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

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