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A fala errante: Blanchot

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Imagem de Tomas Rotger

“Devemos, em primeiro lugar, tentar reunir alguns dos traços que a abordagem do espaço literário permitiu-nos reconhecer. Aí, a palavra não é um poder, não é o poder de dizer. Não está disponível, de nada dispomos dela. Nunca é a linguagem que eu falo.  Nela, jamais falo, jamais me dirijo a ti e jamais te interpelo. Todos esses traços são de forma negativa. Mas essa negação somente mascara o fato mais essencial de que, nessa linguagem, tudo retorna à afirmação, que o que nega nela afirma-se. É que  ela fala como ausência. Onde não fala, já fala: quando cessa, persevera. Não é silenciosa porque, precisamente, o silêncio fala-se nela.  O próprio da fala habitual é que ouví-la faz parte de sua natureza. Mas, nesse ponto do espaço literário, a linguagem é sem se ouvir. Daí o risco da função poética. O poeta é aquele que ouve uma linguagem sem entendimento.

Isso fala, mas sem começo. Isso diz, mas isso não remete a algo a dizer, a algo de silencioso que o garantiria como seu sentido. Quando a neutralidade fala, somente aquele que lhe  impõe silêncio prepara as condições do entendimento e, no entanto, o que há para entender é essa fala neutra, o que sempre já foi dito, não pode deixar de dizer se dizer e não pode ser ouvido, entendido.

Essa fala é essencialmente errante, estando sempre fora de si mesma. Ela designa o de fora infinitamente distendido que substitui a intimidade da fala. Assemelha-se ao eco, quando o eco não diz apenas em voz alta o que é primeiramente murmurado mas confunde-se com a imensidade sussurrante, é o silêncio convertido no espaço repercutente, o lado de fora de toda a fala. “

Maurice Blanchot, O espaço literário. Tradução de Alvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco Editora, 1987

Mais referências:

Blanchot: Pensar a força

Site Maurice Blanchot (e seus contemporâneos) – em francês

Espace Maurice Blanchot – em francês e espanhol

Espaço Maurice Blanchot – português

Apenas Blanchot! –  Organizadores: André Queiroz, Luiza Alvim, Nilson Oliveira. Editora: Pazulim. 2008. Faperj

Enigmatic French writer committed to the virtues of silence and abstraction. The Guardian. Obctuary

LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003

Imagem: Tomas Rotger

Por Luiz Carlos Garrocho

Um aprendiz do sensível. Professor, pesquisador e diretor de teatro. Filósofo.

3 respostas em “A fala errante: Blanchot”

Então eu encontrei o blog do eu encapsulado! E estou até linkada aqui! Te linko lá também, tá? Adorei “o de fora infinitamente distendido”. By the way, para um eu encapsulado, o de fora infinitamente distendido seria a absoluta distância?!?
Beijos e saudades.

Lelena,

Você voltou a quase vinte anos atrás, quando utilizei a expressão “eu encapsulado” para expressar o fechamento sensível em relação ao mundo, numa reunião de teatro, não é? Vamos contextualizar isso para os leitores.

A expressão “eu encapsulado” é de Medard Boss, criador da psicologia existencial, cujas bases conceituais é o Dasein ( o ser como um estar-aí, um viver no aberto – alguém diria com toda licença poética “é isso aí”), do filósofo de Ser e Tempo, Martin Heidegger.

Boss (que estudou com Heidegger) refere-se ao “eu encapsulado” como sendo uma vivência ou uma experiência de uma subjetividade incapaz de viver a abertura da existência. Vai aí uma crítica da tradição cartesiana, da substância pensante, do domínio da mente sobre o corpo etc.

Temos que tomar cuidado na utilização de certos termos, mas acredito que no contexto das artes do corpo, assim como em outros da vida, ele é operante. Acredite! Por exemplo, a expressão refere-se antes de tudo ao fechamento das nossas percepções e sensações, impedindo-nos de estar no aberto da existência. Na minha dissertação de mestrado abordei isso justamente a partir de Blanchot, quando abordei a experiência corporal do espaço.

Muito interessante você ter ligado a expressão a Blanchot. Em O Espaço Literário, você irá encontrar um texto maravilhoso desse autor igualmente maravilhoso, que fala da intimidade do fora, da experiência de se abrir para o espaço. E mais interessante é que Blanchot tem muita influência de Heiddeger: então, você, lembrando de uma expressão dita há tanto tempo num contexto outro, fez uma ligação importante. Aliás, como artista que é, você ligou rapidamente dois contextos literários e filosóficos.

No entanto, são dois planos que correm em suas próprias velocidades: o de Blanchot e a expressão de Medard Boss (a incapacidade de vivenciar o aberto da experiência, que seria a característica de um eu encerrado em si mesmo, “encapsulado”). Poderíamos traçar convergências… Seria possível? Veja bem: Blanchot fala da “experiência do fora” de modo positivo. Essa “absoluta distância” de que você fala seria negativa? Nunca entrar em contato com o outro?

Um grande abraço. Sempre passo lá pelo seu blog. Dê uma olhada nos outros blogs que publico: Cultura do Brincar e Duração & Diferença.

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