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Intervenção urbana: A última palavra é a penúltima

vertigem

São Paulo, Virada Cultural – um evento que reúne um zilhão de apresentações artísticas e outras ocorrências culturais, em diversas regiões e espaços da cidade, 24 horas. Ontem à noite vi uma cidade ocupada pelas pessoas, de todas as idades e gostos, de todas as tribos e escolhas. Uma coisa da urbe, da multidão, da felicidade de andar a pé pela cidade, noite adentro.

Lembrei-me, guardadas as proporções, da Zona de Ocupação Cultural, projeto que acontecia no Centro de Cultura Belo Horizonte, quando eu estava à frente do espaço e, junto com uma equipe maravilhosa realizamos esta entre outras ações. A Zona acontecia de meio-dia às 02 da manhã, com apresentações artísticas, debate, intervenções artísticas no espaço urbano e toda sorte de agitação molecular. Obviamente, não se compara com a Virada Cultural, em São Paulo, onde é tudo ao mesmo tempo e de uma só vez, num mega evento em múltiplos pontos pela cidade. Além disso, a Zona carregava os traços de uma mini-TAZ (Zona Autônoma Temporária), com ênfase em arte processual e experimental. Os artistas eram convidados a ocuparem os espaços do Centro de Cultura Belo Horizonte.

Vamos à intervenção cênica: “A última palavra é a penúltima”. A encenação ocorre numa passagem subterrânea no Viaduto do Chá, com duração média de 40 minutos. O projeto é uma parceria dos grupos Teatro da Vertigem (São Paulo), Zikzira Teatro Físico (Belo Horizonte) e La Otra Orilla (Peru).

Eis os aspectos que alinhavo:

1. Intervenção cênico-urbana é o nome para ações que se realizam na vida da cidade, pervertendo e resignificando espaços, compondo com os elementos constitutivos desses locais. Conecta-se com a criação cênica chamada de site specific, que define uma obra construída especificamente para um local. Há uma conceituação interessante do Itaú Cultural sobre o site specific. Richard Shechner, por exemplo, fala de um environmental theater.

2. O espaço-passagem tem duas vitrines laterais, nas quais o público entra e senta em cadeiras dispostas no local: uma média de 25 para cada vitrine. A iluminação joga com os elementos de visibilidade/invisibilidade, já que, dependendo dos jogos de luz, os filtros dos vidros tornam as vitrines transparentes ou opacas, conforme a cena. Enquanto isso, os performadores e outros públicos transitam pelo espaço, misturando-se à cena, gerando uma zona de indiscernibilidade entre os dois. O público que passa juntamente com os atores não vê as pessoas de dentro das vitrines. A trilha sonora cria, juntamente com luz, espaços e ações um ambiente de imersão.

3. A cena joga com o que sabemos e não sabemos. Com o que percebemos e não percebemos. Nesse aspecto define muito bem a função de uma composição cênico-corpórea que dialoga intensivamente com o espaço cotidiano da cidade e, de modo mais preciso, com um lugar específico (que não o edifício teatral).

4. Pode ser questionado se, em vez de intervenção urbana, não seria mesmo teatro, dadas as condições de haver plateia etc. São as duas coisas ao mesmo tempo – é o que eu penso. As potências do simulacro estão misturadas com a interferência do real na cena (público que passa, o cão correndo na passagem, cujos latidos ouvimos em meio à trilha), as dimensões e características do lugar. O que importa, antes de tudo, é a capacidade de transformar um espaço voltado para um fim (quando passo ali, cotidianamente, estou metido numa relação de meios-fins em que o mundo está submetido ao uso que faço dele) num espaço habitado por forças e intensidades. John Cage dizia que se você quer ver teatro basta sentar num banco de praça e enquadrar um ver e um ouvir. Aliás, Cage ouvia música como teatro. Desse modo, teatro estaria além das chamadas convenções teatrais.

5. A encenação é uma composição de imagens e sons. Imagens do espaço real, imagens do espaço transformado, imagens de corpos vivendo as potências do simulacro e de corpos reais.

6. O ator e performador Paulo Rocha, do Conjunto Vazio (em Belo Horizonte), que vem realizando intervenções nas rotatórias da cidade, têm discutido algumas questões sobre essa cena outra. Paulo, que também assisitiu ao evento, lembra que muitas tentativas de realizar performances que dialogam com espaços tendem a trabalhar equivocadamente a partir do que se pode chamar de ator-interpretativo. Ou seja, pensam no ator que interpreta personagens, agora “solto” numa “performance”. Acrescento que tais ações muitas vezes se equivocam porque os atores ou performadores não sabem com o que estão compondo, justo porque não há uma situação teatral que os guie em termos de ondequem e o quê. Trata-se de outro plano de criação: a de um ator-compositor passando pelo performador (no campo da performance art). No caso de A última palavra é a penúltima, Paulinho lembra a característica minimalista das ações. São ações detalhadas, de forte impacto visual e cênico. Imagens que dizem por si só.

Referências:

O que é performance – por Richard Shechner

Neste blog: A última palavra é a penúltima: intervenção urbana.

Dossiê: Intervenções Urbanas- blog Vírgula Imagem, de Marcelo Terça Nada
COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de
experimentação. São Paulo: Perspectiva, 1989.
______. Working in progress na cena contemporânea. São Paulo: Perspectiva,
1998.
______; GUINSBURG, J. Do teatro à performance: aspectos da significação da
cena. In: SILVA, Armando Sérgio da (Org.). J. Guinsburg: Diálogos sobre teatro.
São Paulo: Perspectiva, 2002

 

Encontro com o Prof. Tomio Kikuchi

Passei três dias do último feriado de Abril participando do seminário Destino: drama humano do viver e morrer, com o Prof. Tomio Kikuchi, orientador da alimentação vitalizante (também chamada de macrobiótica), estrategista, pensador e mestre de Aikido. O evento foi promovido pelo Restaurante-Escola Fonte de Minas, em Belo Horizonte.

Kikuchi traz uma sabedoria pragmática, avessa a todos os dogmatismos, principalmente ao mercantilismo esotérico, que torna as pessoas cada vez mais dependentes de crenças e outras mercadorias. Kikuchi é discípulo de George Osawa, criador da macrobiótica.

A base dos ensinamentos de Kikuchi é a auto-educação pela alimentação. O mestre adentra por veredas que conectam pensamento estratégico e sobrevivência. Uma de suas expressões: “o inimigo é inevitável, inexorável e inesgotável”.

O desequilíbrio é, para o professor, o ponto de partida. E não há equilíbrio em ponto de chegada. Você surfa em ondas desequilibrantes e sucessivas. Ou, afunda. Carlos Rennó, poeta e letrista que foi aplicado na macrobiótica por Gilberto Gil quando organiza o livro Toda as letras, deu uma entrevista à revista Vida Simples, na qual expõe um pouco a dinâmica dos ensinamentos de Kikuchi:

“Você muda a partir do seu sangue. Quem transforma seu sangue transforma a qualidade de seu pensamento, de seu sentimento, da sua vontade. E aí muda sua vida.” (…) “Na verdade, a vida muda dinamicamente, para melhor e para pior e para melhor e para pior e para melhor, sendo que cada pior e cada melhor não são como os anteriores, mas diferentes. Porque o processo não é linear, mas espiralado. Não existe nada absoluto. Assim, só nos são possíveis a liberdade e a felicidade relativas.”


Mais informações:

Restaurante Fonte de Minas. Rua Guajajaras, 619, casa IX. Vila Werneck – Centro – Belo Horizonte – Tel: (21) 3224-9630
Restaurante Satori (Prof. Kikuchi). Praça Carlos Gomes, 1o andar – Liberdade – São Paulo
Tomio Kikuchi – wikipédia
Viva o desequilíbrio. Revista Vida Simples.

O neo-materialismo de Manuel DeLanda

Exponho trechos de uma entrevista em que o filósofo e artista mexicano, Manuel DeLanda, radicado nos Estados Unidos desde 1975, aborda o que ele chama de neo-materialismo. O conceito de neo-maerialismo de DeLanda é interessante porque modifica concepções sobre o tema já um pouco desgastado e preso às concepções marxistas.

Delanda teve uma fase voltada para o cinema experimental e, mais recentemente, tem trazido, também, importantes contribuições no campo da filosofia e das ciências sociais, tecendo relações entre filosofia e ciência, envolvendo teoria do caos, complexidade, sistemas auto-organizados, inteligência artificial, economia etc. Seus textos trazem a influência direta de outro pensador, Gilles Deleuze. Em tempo: Deleuze e Guattari, por exemplo, falam de uma materialidade energética e expressiva (vide Mil Platôs).

Faço uma tradução livre do inglês, de trechos da entrevista, concedida a Konrad Becker e Miss M. em Virtual Futures:

“Obviamente, eu coloco a palavra “neo” para distinguir do materialismo marxista. A única coisa boa que o marxismo nos deu foi seu materialismo, a idéia de que é necessário explicar a ocorrência das coisa sem apelar para Deus, sem apelar para as essências platônicas, sem apelar para qualquer coisa transcendente. Obviamente que os marxistas, desde que eles compraram a dialética Hegeliana, não são definitivamente verdadeiros materialistas, pois a dialética não é algo deste mundo. Lênin, mesmo que eu deteste as coisas que ele fez, se opôs aos filósofos idealistas, para os quais tudo o que existe é fruto de nossa percepção. Ao dizer que existe uma exterioridade do mundo, sendo necessário levar isso em conta, dizemos que nem tudo é informação, que nem tudo é idéia, que nem tudo é armazenamento cerebral. Que existe algo concreto a ser considerado.

Eu chamo isso de neo-materialismo e que é, de certo modo, uma filosofia antiga, mas que é nova quando, incorporando teorias de auto-organização, matéria e energia por si mesmas sem humanos e sem vida, são capazes de gerar ordem espontaneamente.

(…)

Neo-materialismo significa o conhecimento de que nós temos negligenciado a matéria por um longo tempo, num percurso que remonta a Aristóteles. Aristóteles já havia separado a causa formal da causa material em sua classificação das causas. Essa classificação sedimentou-se na filosofia Ocidental e expandiu-se pelo século 20.

Tudo isso remonta aos Gregos, para os quais a matéria era uma espécie de receptáculo inerte para as formas e os humanos viriam dessas formas que eram impostas ao recipiente inerte. Isso tem certa origem nas classes e castas, porque, voltando aos gregos, o ferreiro, o cara que trabalhava com a matéria, vivia fora da cidade, gastando todo o seu dia diante do fogo, lidando com metais, e o que é mais importante, jamais vindo à cidade para usar a palavra. Assim, os cidadãos gregos não confiavam num ferreiro: “Ele não fala. Ele não vem aqui discutir”. Escravos ou ex-escravos e trabalhadores manuais, alguns eram trabalhadores de artesanato – sejam mulheres na cozinha ou ferreiros trabalhando com metais ou artistas populares criando objetos – todos eram considerados como atividade secundária, de uma atividade inferior. A atividade intelectual, ao contrário, esta era considerada real, que é o ato de lidar com os conceitos.

Neo-materialismo significa revelar o sentimento que nos leva a negligenciar pessoas por um longo tempo, descobrindo que existe um modo de conhecimento muito mais interessante, relativo a habilidade de lidar com a matéria – na cozinha, na oficina do ferreiro, na oficina de tapeçaria. Relacionar uma estoque mental de representações e conceitos é interessante, também, mas isso é mais interessante quando vem de um conhecimento direto e sensual da matéria”.

Referências:

Site com informações e textos de Manuel DeLanda na biografia compilada por Tom Tyler

A Thousand Years of Nonlinear History Zone Books (September 18, 2000)

A New Philosophy of Society: Assemblage Theory And Social ComplexityContinuum International Publishing Group (November

War in the Age of Intelligent MachinesZone Books (December 2006, 1991)

Intensive Science & Virtual Philosophy Continuum International Publishing Group; New Ed edition (May 2005)

Veja e escute as aulas de DeLanda no Youtube

DELEUZE, Gilles e GUATTARRI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Volume 1. Tradução deAurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995a.

______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.2 Tradução de Aurélio
Guerra e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995b.
______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 3. Tradução de
Aurélio Guerra Neto et. alii. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 4. Tradução de Suely
Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997a.
______; ______. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 5. Tradução de Peter
Pál Pelbart e Janice Caiafa – São Paulo: Editora 34, 1997b.